AMBIENTE JURÍDICO DA INOVAÇÃO NO BRASIL
04/01/2010 Autor: Maria Coeli Simões Pires
“Direito contra o desenvolvimento?”.
Seria uma provocação para insinuar a superação do Direito e mesmo do Estado como instituições estruturantes da organização política e da integração social no quadro de profundas trans form ações ?
Não. O propósito não seria refutar a essencialidade do Estado e do Direito para o desenvolvimento econômico e para a paz social. Ultrapassadas, interna e externamente, as teses niilistas ou minimalistas a respeito dessas instituições, ambas continuarão como instrumentos civilizatórios imprescindíveis para o equilíbrio da vida privada, das relações sociais, econômicas e institucionais.
A pergunta anunciava um seminário para discutir o ambiente jurídico da inovação no Brasil, no contexto da globalização.
Pretendia-se, na verdade, evidenciar pontos de estrangulamento e disfunções da arquitetura estatal brasileira, do modus operandi do setor público e das práticas jurídicas, que hoje impedem os avanços tecnológicos e os processos inovativos.
É certo que existe uma histórica defasagem do papel dessas instituições – Estado: política, Administração Pública; Direito: ordem jurídica, sistemas interpretativos – em relação aos processos juspolíticos e aos próprios paradigmas de Estado, de sociedade e de desenvolvimento.
A concepção do Estado Liberal, por exemplo, tinha ao centro o indivíduo e a autonomia de vontade. Contraditoriamente, naquele contexto, o Direito Público exacerbava o conceito de autoridade e estruturava matrizes de relações impositivas.
O Estado social tinha seu foco na sociedade, mas as instituições públicas reduziam-na à dimensão de massa inepta para a autodeterminação. A máquina administrativa, responsável por materializar a igualdade social, revelava-se incapaz de fazê-lo sem distorções. As instituições de intervenção estatal na economia e na ordem social sustentavam a hegemonia do Estado, criando verdadeiro protetorado.
No tocante aos modelos de administração, a defasagem ou a contradição é a mesma. Basta dizer que, ainda hoje, disputam espaço com novos paradigmas de administração gerencial e democrática, práticas patrimonialistas e modelos burocráticos absolutamente impróprios para sustentar um sistema emancipatório de cidadania.
Ocorre que, a cada novo estágio civilizatório, as transformações da sociedade são sucessivamente mais profundas e rápidas, ganhando, no quadro atual, progressão geométrica na economia e na cultura globalizadas.
Processos decisórios em múltiplos campos (econômico, financeiro, ambiental), como fluxos globais, impõem novas dinâmicas internas que fogem ao controle do Estado, atingem todos os países e tangenciam diferentes níveis de organização social no chamado mundo sem fronteiras.
O Brasil, incluindo-se entre os países emergentes, ao lado da Rússia, da Índia e da China, tem sido desafiado a investir em inovação, para alimentar a saga competitiva e para responder aos impactos socioculturais.
Extrapolando o setor econômico e a lógica corporativa, a inovação vem ganhando espaço nas agendas governamentais, acadêmicas, científicas e nos movimentos sociais.
No campo do progresso eletrônico e da economia do conhecimento, várias tecnologias são adotadas no setor público. Nesse sentido, sistemas específicos de Software Público Brasileiro – SPB, relativo à política de uso e desenvolvimento de software pelo setor público no Brasil, e o Sistema Público de Escrituração Digital – SPED – novo modelo contábil e fiscal de relacionamento entre fisco e empresas. Instrumentos gerais têm sido igualmente incorporados à governança eletrônica, como portais provedores de informações; sistemas corporativos de informações de tipo transacional, como pregões eletrônicos e outros; sistema de escrituração, análise e certificação digitais; redes eletrônicas de gestão, controle e fiscalização. No âmbito da processualidade, são exemplos mecanismos virtuais de acompanhamento de tramitação de ações e interrogatórios. Notadamente no campo da gestão territorial, são incorporados mecanismos de cartografia georreferenciada, sensoriamento remoto por meio de imagens emitidas por satélites, zoneamentos econômicos e ecológicos, com os respectivos sistemas de recuperação de informações.
Os ambientes jurídico e administrativo, no entanto, ainda são pouco propícios à implementação de novos instrumentos de apoio às soluções inovativas.
Divergências interpretativas; tensão entre segurança jurídica e processos de mudança; obsolescência, lacunas e ambiguidades dos marcos legais; e, ainda, ineficácia de modelos de cooperação em face da dinâmica global marcam esse ambiente.
Na mesma linha, a gestão pública tem sido cada vez mais banalizada diante da sociedade hipercomplexa e da crise das incertezas, com a perda de controle de variáveis que afetam o desenvolvimento, como a criminalidade transfronteiriça, de que são manifestações a lavagem de dinheiro, a indústria de sexo e o terrorismo apátrida.
Há necessidade urgente de revisão das matrizes do Direito por parte dos legisladores e, sobretudo, dos intérpretes, e também do sistema administrativo, relativamente à organização, à gestão, ao financiamento e ao controle da inovação, em todas as esferas, para a superação conjunta das barreiras institucionais e operacionais nesse campo, com o cuidado e a responsabilidade de inibir flancos para as vulnerabilidades.