PALAVRAS DA SECRETÁRIA DE ESTADO DE CASA CIVIL E DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS, PROFESSORA MARIA COELI SIMÕES PIRES, NA SOLENIDADE DE OUTORGA DA “MEDALHA DOS GERAIS – MATIAS CARDOSO E MARIA DA CRUZ”.
SAUDAÇÕES,
Vivemos hoje, nesta solenidade, um momento alto da história de Minas Gerais. Sob a oficialidade da Emenda Constitucional no 89/2011, promulgada pela ALMG em data de ontem e publicada no MG de hoje, que cria o Dia dos Gerais, e do Decreto no 45.649/2011, assinado pelo governador Antônio Augusto Anastasia no dia 18 de julho deste ano, procede-se à outorga da “Medalha dos Gerais – Matias Cardoso e Maria da Cruz”, que tem o objetivo de conferir ao agraciado – pessoa física ou jurídica – o reconhecimento público pela contribuição ao desenvolvimento cultural, econômico e social do norte do Estado.
Nesta sua quarta edição, a Medalha dos Gerais recebe em 2011, portanto, o selo oficial de todo o povo mineiro, em uníssono sentimento de irmandade, embalado nesta solenidade pela maestria dos organizadores deste evento tão bem representados no Conselho da Comenda por expressivas personalidades no mundo institucional, político, jurídico, acadêmico, empresarial e da sociedade civil, que hoje nos acolhem na cruzada de Maria da Cruz e Matias Cardoso e na comunidade dos Gerais.
Este ato consagra, sob chancela do Estado, iniciativas da Associação dos Municípios do Norte de Minas e da Área Mineira da Sudene, dos Municípios de Matias Cardoso e de Maria da Cruz, do Movimento Catrumano. Este, coordenado pela Unimontes, desde 2005, congrega as mais expressivas lideranças acadêmicas, políticas, culturais e sociais do norte-mineiro em torno da “construção de um poder simbólico, capaz de ressignificar o papel desempenhado pelo Norte de Minas na fundação e consolidação do Estado de Minas Gerais.”
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Por delegação de Sua Excelência, o Governador Antonio Anastasia, aqui compareço, meio forasteira e ao aparente acaso, com a elevada honra de representá-lo nesta solenidade.
Representá-lo – sabem todos – é missão deveras difícil! Tão querido e tão especial que é. Clamei a Deus me iluminasse no caminho da minha oração, a fim de que bem entendida fosse a minha inibição nesta cena pública. Como presente divino, recebi na Comitiva a Professora Doutora Carla Anastasia, aqui homenageada por proposta do Conselho. Quase “irmãe” e responsável por parcela da formação intelectual do Governador Antonio Augusto Anastasia, ela aqui compartilha a representação no plano do afeto e do DNA.
A par da honraria da representação, emoção especial visita-me neste momento em que sou distinguida com a Comenda Maria da Cruz, filha que sou do meu Serro natal, Município precursor que um dia uniu, sob seu manto, todo este rico território dos Gerais – uma riqueza constituída, sobretudo pela qualidade humana de sua gente. Honrada pela nobre indicação da AMAMS, sob a batuta forte do prefeito Valmir Morais de Sá, extraordinária liderança municipalista de nosso Estado – em cuja pessoa saúdo Prefeitos e Vereadores – com esta Medalha, ao lado de tantos ilustres e estimados homenageados, vivencio o sentimento de irmandade.
Irmãos de berço das mesmas paragens, irmãos de sonhos de ideais siameses, forjados do barro da mesma terra que nos lança ao mundo.
Compreendi que este, também, é meu Sertão.
E aqui estou, não por acaso. Por conspiração das raízes! O Serro Frio caminha comigo e, nesta terra irmã, lembra-me de que estou em casa, sugando a seiva da vida pela trama das mesmas raízes, fazendo a ponte que liga Minas e Gerais.
E assim, parafraseando Guimarães Rosa, digo que no sobressalto de estar aqui, “cato tudo nos olhos, o que acontece maior”.
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Saibam, pois, que por absoluto impedimento de sua agenda no dia de hoje, o Governador, declarado amigo dos Gerais, não pode estar presente. Recomendou-me, porém, que trouxesse os seus aplausos ao Prefeito Anfitrião desta querida cidade de Matias Cardoso, João Cordoval de Barros, à Prefeita de Pedras de Maria da Cruz, Norma Sarmento Brito Pereira, que divide a chancelaria da Medalha dos Gerais, em especial ao antropólogo João Batista, ao Movimento Catrumano, aos organizadores do evento, aos agraciados, às autoridades e à comunidade e, também, notícias das providências por ele adotadas com vistas ao fortalecimento dos Gerais.
Tenho a alegria de comunicar aos presentes que o Minas Gerais de hoje traz o Decreto que regulamenta o Conselho da Medalha dos Gerais, que dará suporte ao Estado para realização das solenidades de outorga da Comenda a partir do próximo ano. O mesmo MG que publica a Emenda Constitucional no89/2011, decorrente do PEC 21, de autoria do Deputado Paulo Guedes, contribuição coletiva e suprapartidária da ALMG, votada pelo verdadeiro sentimento de mineiridade.
Na mesma linha, vale destacar que o Governador do Estado, por meio da Mensagem no161, de 2 de dezembro de 2011, encaminhou à ALMG o projeto de Lei que cria a Bolsa São Francisco, destinada a estimular a prática de Tecnologia Social por parte de agentes da Comunidade Ribeirinha do São Francisco – iniciativa, inédita, que se associa ao Projeto de Cidadania Ribeirinha, de caráter institucional e suprapartidário, que une esforços do Poder Legislativo e do Poder Executivo de Minas Gerais, sob a alta condução do Presidente Deputado Dinis Pinheiro.
Reforçando tais medidas, despacho governamental, por meio do qual sua Excelência o Governador Antonio Anastasia determinou às Secretarias de Estado e às entidades da Administração Indireta prioridade para adesão ao Programa Cidadania Ribeirinha deve ser compartilhado com os presentes. Nesse sentido, há diretriz clara no sentido de que as ações previstas no Plano de Governo sejam priorizadas no território dos Gerais, a partir de projetos pilotos.
As medidas aqui anunciadas querem, na verdade, expressar o compromisso do
Estado com os Gerais e com a refundação da História de Minas. Uma história que
começa a ser contada a partir de novos fundamentos. Tudo há de ser densificado
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pelo alto significado da EC no 89/2011, com que a maturidade política da ALMG brinda os Gerais.
A propósito, quero declarar que poucas vezes compulsei um documento elaborado com tanta precisão conceitual, rigor acadêmico e pureza de linguagem como aquele intitulado “O Norte de Minas como berço de Minas Gerais”. O documento fundamenta, com base em estudos históricos revistos e sistematizados pelo professor e antropólogo Dr. João Batista de Almeida Costa, sob a chancela da UNB, a versão do Norte fundador, ressalta a contribuição dos Gerais para a formação e a consolidação da sociedade mineira. Estudos esses encampados pela AMMANS, pela Fundação Cultural Genival Tourinho, pela Fundação Darcy Ribeiro e pela Universidade Estadual de Montes Claros, em verdadeira rede suprapartidária e multidisciplinar. A UFMG prestigia o mesmo objeto de pesquisa sobretudo com os ricos suplementos da Professora Doutora Carla Anastasia, com foco no Norte de Minas.
O movimento está inspirado não somente pelos fatos históricos devida e fartamente comprovados, mas tem sua mais pura motivação no ato de amor que sela a irmandade entre os Gerais e as Minas. Uma rede benfazeja, que supera disputas de qualquer espécie, cismas e diásporas, para apenas evocar a necessidade de reencontro de duas vertentes formadoras da civilização mineira, na transumância pastoril dos Gerais e na exploração de minérios preciosos das Minas.
Esta diferença busca a igualdade de reconhecimento, tanto histórico quanto cívico, tanto humano como físico, tanto sertanejo quanto minerador.
É como se geraizeiros dissessem aos mineiros: “Constituímos, entre muitas espécies de plantas e flores de que se compõem nosso jardim, um gênero próprio, que tem direito à vida como as demais. Não queremos maiores nem melhores cuidados (…)”
Poderá haver pleito mais belo, mais nobre, mais verdadeiramente humano? As notas de Maia e Boavista cantando liras ao Movimento Catrumano mostram a grandeza do sentimento dos geraizeiros. Aplausos à composição e à voz do sertão!
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Devemos dar realce aos cuidados com esse gênero dos Gerais. A iniciativa de recuperação da Igreja Nossa Senhora da Conceição, marco da fé aqui erguido pioneiramente é ato de jardineiro cuidador. A FIEMG, em parceria institucional com os órgãos de cultura e com a comunidade, dá exemplo de compromisso com as mais profundas raízes da comunidade mineira. O Governo do Estado está atento e, por meio da Secretária de Cultura, faz-se presente no esforço de salvamento desse monumento tão importante para Minas Gerais.
Esta “Medalha dos Gerais – Matias Cardoso e Maria da Cruz” – simboliza, pois, e fortemente, esse reencontro das Minas e dos Gerais, num processo histórico e cultural que tem muito ainda por avançar no enriquecimento mútuo de nossa herança comum. Idéia da recíproca pertinência desses territórios e comunidades que se unem num pacto de unidade!
Tem muito que avançar no reconhecimento, por exemplo, da grande riqueza dos Gerais e do Sertão que o gênio criador de João Guimarães Rosa desvelou não apenas para Minas Gerais e o Brasil, mas para o mundo inteiro, no reconhecimento internacional que sua obra alcançou desde o início, sendo a sua primeira tradução – e de imediato sucesso – a que teve lugar na Alemanha.
E foi para o seu tradutor alemão que Guimarães Rosa fez questão de esclarecer: “Você sabe; desde grande parte de Minas Gerais aparecem os ‘campos gerais’, ou os ‘gerais’ – paisagem geográfica que se estende pelo Oeste da Bahia e Goiás, até ao Piauí e ao Maranhão.”
Os Gerais partiram para a conquista das Minas desde a segunda metade do século XVII. “A partir de 1660, o bandeirante Matias Cardoso de Almeida, que fundara a sociedade agropastoril do Estado, se fixou às margens do rio Verde Grande e, posteriormente, à beira do São Francisco, em Morrinhos, a Matias Cardoso de hoje. E, no dia 08 de dezembro de 1695, ocorreu a efetiva instalação da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Morrinhos com a inauguração de sua igreja Matriz”, como nos revelam os fundamentos do Movimento Catrumano.
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Pouco importa, nesta dimensão histórica, o saldo da grande cheia de 1712. Levou edificações, mas não levou a história e o pioneirismo dos Gerais!
Documentos e depoimentos que nos chegam de Capistrano de Abreu, de Diogo e Salomão de Vasconcelos, de destacados historiadores, de visitantes estrangeiros, como os alemães Carl Friederich von Martius e Johann Baptiste von Spix atestam esta vitalidade da civilização norte-mineira como precursora na colonização dos Gerais e nas entradas e bandeiras para Minas, nas águas do São Francisco ou pelo rios das Velhas e Paraopeba afora.
E Dona Isabel Maria da Cruz Portocarrero, descendente de família nobre, ao casar-se com um sobrinho de Matias Cardoso, Pedro Cardoso de Oliveira, iria se tornar a principal personagem feminina dos chamados “motins do sertão”, a conspiração contra o poder real que eclodiu às margens do São Francisco, em 1736.
Enviuvou-se ainda nova, com três filhos, quando assumiu a administração da Fazenda do Capão, imenso latifúndio que se perdia no extenso sertão do Rio São Francisco, entre Minas e Bahia. Mostrou sua liderança, ampliando a fortuna da família e preocupando-se com a educação do povo. Liderou os moradores do Brejo do Salgado, que ao serem instados para o pagamento do “quinto” se amotinaram e tomaram o Arraial de S. Romão, em 24 de junho de 1736. Sob o comando de Da. Maria da Cruz, de seu filho Pedro Cardoso de Oliveira e de seu cunhado, Domingos Prado de Oliveira, os revolucionários destituíram os governantes, constituindo novas autoridades.
Derrotada a insurreição, Maria da Cruz foi presa e conduzida para interrogatório na Bahia. Foi finalmente salva pelas próprias obras sociais que realizava e pela ação educadora que desenvolvia junto às camadas mais pobres da população. Como o Vigário Geral da Bahia tinha conhecimento das ações sociais desenvolvidas por Maria da Cruz, ele, entao, intercedeu junto às autoridades portuguesas para conseguir a sua libertação, que lhe foi afinal concedida pelo entao governador Martinho Mendonça. Mas a mesma graça não foi estendida ao seu filho Pedro, degredado pela Coroa Portuguesa.
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Não estaria, nessa insurreição sanfranciscana, uma semente da Inconfidência de Vila Rica, meio século depois?… Para isso, o arquivo da história estará sempre aberto diante de nós.
Na verdade, apesar das diferentes versões, ditadas por ideologias dominantes e pelo poder dos vencedores, história só há uma. Da mesma forma como uma velha árvore registra em seu tronco a memória de seu crescimento e de sua vida, assim também está registrada, na memória de Minas Gerais, a dualidade agropastoril e mineradora que constitui sua história.
Matias Cardoso – pelo bandeirantismo – e Maria da Cruz – como uma “dona do sertão” – simbolizam, nesta Medalha, um dos berços de nosso Estado que, nesta hora, bem poderíamos batizar, acrescentando aos nomes declinados pelo espírito indomável de Darcy Ribeiro – “Gadaria ou Currais São-franciscanos” ou em tom mais maduro, “País do Rio das Velhas” – com este nome de casamento: “Minas dos Gerais”…
Eis por que este é, de fato, um momento alto de nossa história! É preciso somar ao jeito desconfiado, recatado e meio arredio de ser do filho da mineração, este calor irradiante de alegria e de descontração que tanto anima os filhos dos Gerais. Nesta nova síntese, desde que unidos sempre estivemos, ganharemos todos nós dando um passo à frente em nossa história.
Talvez o próprio Matias Cardoso já intuísse a necessidade dessa síntese, a de promover o casamento dos Gerais com as Minas, quando, no dia 20 de junho de 1720, recebeu do escrivão da Vila Real de Sabará termo de aforamento “de três braças de chão para fazer umas casas de vivenda em Tapanhuacanga”, no Serro Frio. A busca de tesouros da mineração naquelas paragens, hoje integrando o Município de Alvorada de Minas, parecia antever a saga das mineradoras que hoje exploram a região.
Catrumano – tal como está no Dicionário de Téo Azevedo – significa “homem
sertanejo de grande valor”. Nos Gerais, este valor nos é dado, como bem lembrou o
sociólogo Paulo Ribeiro, pela bandeira catrumana que refunda Minas para o Brasil:
“Une-se à genialidade de Guimarães Rosa, à arte de Yara Tupinambá, de Konstantin Cristoff e de Ray Colares; à poesia de Cândido Canela, à de Cyro dos Anjos; à música de Godofredo Guedes, Téo Azevedo e Zé Coco do Riachão, o Bethoven do Sertão. Terra que iluminou Marina Lorenzo Fernandes a criar o maior Conservatório latino-americano de música. Terra de Apolo Lisboa e Darcy Ribeiro, que arejam a educação, a cultura e o meio ambiente. O Norte de Minas é terra dos Geraes, a Terra de todos nós!” Aos gigantes da Cultura e do saber do Norte a reverência do nosso Governador Antonio Anastasia, homem de berço, de história e de letras e amante da cultura de seu povo.
Sob as bênçãos do Alto, quero, com a face de Maria da Cruz, perenizada no bronze da Comenda e no coração “quase Catrumano”, lembrar-me, comovida, deste 8 de dezembro de 2011, no Ser-tão de mineiridade, neste território de Matias Cardoso, ao pé da Igreja Nossa Senhora da Conceição, primeiro marco da fé em Minas.
Quero lembrar-me deste calor humano, mais forte que o sol escaldante da energia do Norte, nesta tarde morna, sob testemunho e entusiasmo da gente Geraizeira, que se redescobre, nesta Cruzada dos Gerais, fazendo a pujança do Norte, que lança semente à terra, faz a muda, colhe o ouro e acerta as contas do “gado brabo” destas encruzilhadas de Matias e Maria, do “Sertão, onde os pastos não têm cerca”. E, entao, reaprender, com a fé em São Francisco, a entrelaçar, com fragmentos da canção de Paula Fernandes, ritmo de Zé Coco do Riachão, Maia e Boa Vista, as raízes da identidade da sociedade mineira:
“Somos filhos do ouro e do diamante;
somos filhos dos montes e das estradas reais”; somos filhos das Minas,
somos filhos dos Gerais!
Minas Gerais: uma só terra e uma só história.
Muito Obrigada!