Poesias

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Sou a Pedra redonda
Zoiúda
Que vigia sem parar os arredores.


Sou o Pico do Itambé
Encoberto de nuvens
Que se esgarçam ao primeiro sol.


Sou a Serra do Cipó
De sinuosas curvas
Perdidas entre nós
Cegos e
Vendados mistérios


Sou a Lapa da Boa Vista
Que soluça lágrima seca
Em tardes mornas de sol.


Sou o condado virgem
No recato de seus medos.


Sou o Quatro vinténs
Que corre para o Lucas
Em curso lento e choroso.


Sou o Morro Centenário
Que deita a cabeça no colo de Deus
Pedindo um cafuné
Na rara cabeleira.


Sou os veeiros depauperados
De outras riquezas encobertas.


Sou a Fonte do Vigário
Gotejando esquecida
Pelos cantos do Chaveco


Sou o coreto em destroços
Sufocando a sinfonia da vida.


Sou o palco do mundo
À espera da melhor peça.


Sou as ruas de Baixo e de Cima
E os becos sem saída.


Sou a Ladeira do Pelourinho
Batizada pelo grito escravo
Que retumba na senzala do tempo.


Sou o Paredão da Matriz
Na contenção da encosta
Da fé primeira.


Sou a palmeira gigante e altiva
Que ameaça o céu
Sem fazer requebros
Quase inerte sobre raízes profundas.


Sou o casario de linhagem nobre
Contrariando a lei da gravidade.


Sou o cargueirinho alienado
Que desce a rua
Atravessa a festa
O discurso
E estruma no chão
Em pose para a posteridade.


Sou a Capela de São Miguel
Que badala a morte
Ao dar sinal de vida.


Sou o prédio da Cadeia
E o pensamento livre
Que escapole inteiro
Ou em fragmentos
Pelas grades
E vai sem peia.


Sou Igreja Santa Rita
Em esplêndida janela
Espiando da colina
A cidade baixa
Ressuscitar das brumas.


Sou a gente
Que pede licença
Para pisar este chão
Para respirar estes ares
Para poetar sob este céu.


De onde vim
Só pra ser uma flor exótica
Entre rochas e colinas
Da minha terra.

Alto
Chamas
Cenas
De
Luz
Arauto
Do alto
Acenas
Chamas
Rasgando essas trevas
Espalhando o sopro
Por tua criação

Emergente
Emerge
Entre
De mim
Emergente
Menos ente
Mais gente
Emerge

Fulgente
‘’ Full’’...
Da Mortalha de um tempo
Do assombro do vazio
Nova face
Nova mulher
Na aventura do recomeço
Mias gente
Só.

De
Vagar
Cansado
Passo a passo
Lenta
Mente...
Com
Passadas
Toadas
Do Caminhar...

Eu
Ca
Li
Pito
Cheira
Bom
Quase
Bálsamo
De mim.

Sensual
Sem
Idade
Sensualidade
Não
Caduca.

Serro
Com Frio
De alma acalorada
Com Sol
E de sombra remansosa
Serro
Com chuva
E de sombra remansosa
Serro
Com chuva
E de ribeiros secos
Serro
Sem erro
Concerto de Minas
Velho Serro
Sem idade
Que teus serros
Vigiarão por nós
Serro
Com teus morros calvos
Sem tua farta cabeleira
De fala eloqüente
E memória silenciosa
Sem o tumulto do progresso

CONCEPÇÃO, FINANCIAMENTO E EXECUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Maria Coeli Simões Pires

Mestre em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito da UFMG, docente e doutoranda junto à mesma instituição.

Sumário

1 Correlação entre as funções.

1.1 Conteúdo.

1.2 Oportunidades.

1.3 Determinantes gerais/políticas.

1.3.1 Regimes políticos.

1.3.1.1 Regimes burocráticos autoritários.

1.3.1.2 Regimes democráticos liberais.

1.3.1.3 Regimes patrimonialistas.

1.3.2 Modelos de concepção e implementação de políticas públicas. 1.3.2.1 Modelo de intelecção.

1.3.2.2 Modelo de interação.

1.3.3 Traços do modelo brasileiro.

1.4 Determinantes gerais/constitucionais.

1.4.1 Opção pelo Estado Democrático de Direito.

1.4.2 Características da Constituição de 1988.

1.4.3 A Constituição do Estado de Minas Gerais.

1.5 Diretrizes específicas.

1.5.1 Planejamento.

1.5.1.1 Planejamento e centralização.

1.5.1.2 A Constituição de 1988 e a descentralização.

1.5.1.3 Estilo participativo de planejamento.

1.5.1.4 Instrumentos de planejamento.

1.5.2 Diretrizes específicas do Orçamento.

1.5.2.1 Concepção formal de Orçamento.

1.5.2.2 Concepção material de Orçamento.

1.5.2.3 Aspectos do Orçamento.

1.5.2.4 Diretrizes constitucionais do Orçamento.

1.5.3 Diretrizes específicas da execução.

1.5.3.1 Administração.

1.5.3.2 Algumas diretrizes constitucionais sobre Administração. 1.5.3.3 Implementação de políticas públicas.

2 Conclusões.

3 Bibliografia.

Introdução

As políticas públicas, o conjunto de sucessivas tomadas de posição do Estado no cumprimento de seu papel frente às questões sociais, mais recentemente, têm sido objeto de sistemáticas reflexões fora dos lindes restritos das burocracias e tecnocracias, colocando-se como alvo das modernas Escolas de Governo e despertando o interesse, principalmente, de cientistas políticos e estudiosos da Ciência da Administração e do Direito Público, num esforço multidisciplinar no sentido da superação dos desafios que se colocam para o Estado e a sociedade, pressupostos parceiros no processo de realização das mudanças demandadas para a efetivação da justiça social.

Nesse sentido, busca-se uma compreensão mais completa das ações de governo numa visão processual, menos como técnica, mais como dinâmica, capaz de alcançar os variados fatores que nela interferem: os de ordem filosófica, jurídica, administrativa, econômico-financeira, sociológica, cultural e política.

É que as políticas variam conforme a contextualização da sociedade, a demanda dela decorrente e, ainda, de acordo com o regime político, o papel que cabe ao Estado e o ordenamento jurídico que as conforma. Com efeito, o Estado não pode ser concebido como uma entidade monolítica a serviço de um projeto invariável, mas deve ser visualizado como um sistema em fluxo permanente, internamente diferenciado, sobre o qual repercutem, também diferentemente, princípios, normas, filosofias e valores, bem assim as próprias necessidades e contradições da sociedade.

Trabalhando o substrato dessa dinâmica, o Estado, em conjunto com os possíveis atores, desenvolve as atividades de formulação, orçamentação e implementação de políticas, de caráter permanente, convertidas em tarefas contínuas das burocracias públicas, ou de duração limitada, como objeto de programas temporários ou especiais. Essas funções de planejamento, orçamento e execução caracterizam-se como diferentes momentos da ação estatal, e, em última análise, expressam a postura do poder público em face dos problemas e dos diferentes atores (indivíduos, grupos, setores, organizações) que compõem o cenário, e sua intenção de dar respostas afeiçoadas ao papel do Estado na sua relação com a sociedade.

O Prof. José Maria A. M. Dias, em didático trabalho intitulado Uma opinião metodológica da função de planejamento, em vertente semelhante, afirma: “Problemas, crises e mudanças são resolvidos por meio de bens, serviços, políticas e decisões, que serão tanto melhores se forem convenientemente planejados”.

Colhe-se do mesmo trabalho o conceito de problema, o qual tem aplicação neste estudo:

“Problema é algo que incomoda e pede solução eficaz; ou, o hiato constatado entre uma situação atual e uma situação desejada percebida em confronto com a situação real”.

1 – Correlação entre as funções

Para estabelecer a correlação entre as funções que sustentam as políticas públicas, faz-se necessário examinar os aspectos atinentes ao conteúdo, ao modelo e à oportunidade de cada uma daquelas, observadas as determinantes gerais e específicas.

1.1 – Conteúdo

Quanto ao conteúdo, as funções planejamento, orçamento e execução traduzem-se, respectivamente, como concepção ou formulação de políticas, alocação de recursos para sua viabilização e implementação ou operacionalização das medidas.

As atividades de formulação e de implementação de políticas sugerem o reforço à dicotomia clássica de política e administração, que se mantém, sobretudo, sob o rótulo de inter-relação entre papéis políticos e administrativos.

Na prevalência dessa dicotomia, imputa-se a formulação abstrata à seara da política. Assim localizada a atividade, a Ciência Política e o Direito Político apresentam-se como disciplinas mais adequadas a proporcionarem estrutura para a concepção da política social, bem assim para sua análise.

As políticas públicas devem ser – em sua formulação – a expressão pura e genuína do interesse geral da sociedade, o que, num processo legítimo, pressupõe seja a demanda social ascultada em instâncias democráticas, enfrentada de forma realística pela instituição formuladora e solucionada à luz do possível consenso dos atores sociais, sem prejuízo da adoção de critérios de conhecimento tecnicamente racionais para a solução de problemas sociais, a partir de eficaz fluxo de informações. Adverte Luhmann: “A legitimação da decisão, nesse sentido, não poderia converter-se na finalidade do procedimento.” Nesse sentido, chama a atenção para o sentido condicional dos programas como premissas de decisão, eis que é regra estruturante de seu pensamento a assertiva segundo a qual “a função de legitimação não é realizada mediante a escolha de meios apropriados para atingir um objetivo preestabelecido, existindo na distância, mas sim mediante aspectos que se verificam no comportamento social,…”

De outra parte, as atividades desenvolvem-se de acordo com processos e determinantes que explicam a adoção da política pública e refletem em sua implementação. Nesse particular, não há negar a interferência dos conluios da ide política e da burocracia na formulação e execução de políticas públicas. Affonso Sabán Godoy afirma a propósito:

“…la burocracia mantiene una permanente tensión dialética con la clase política que, en definitiva, condiciona el poder de ésta sobre aquéla, y, como consecuencia, la eventual imposición de sus intereses personales.”

1.2 – Oportunidade

O planejamento tem lugar em momento precedente à tomada de decisão por parte do poder público.

Pressupõe identificação de problemas, caracterização, análise de suas causas, definição de estratégia de ação e fixação de objetivos e metas. O procedimento para viabilizá-lo e o resultado da concepção variam principalmente em razão da lógica de abordagem dos problemas sociais e do núcleo ideológico que sustenta as ações de governo e a identidade da instituição formuladora.

Ao planejamento segue a atividade de orçamentação, que complementa a primeira fase e em cuja prática registram-se persistentes e graves vicissitudes comprometedoras dos resultados da atuação estatal; por último, a atividade de execução materializa os objetivos e metas definidos nos momentos anteriores, e teoricamente oferece elementos de avaliação e redefinição das políticas. As fases não são estanques, verificando-se relativa comunicação e interdependência dos diversos momentos, principalmente se considerado o caráter processual e incremental das ações desde sua formulação até o ponto de culminância no plano de realidade.

1.3 – Determinantes gerais/políticas

Diversos fatores e circunstâncias de cunho ideológico e político condicionam a atuação estatal, inspirando modelos de concepção, orçamentação e implementação de políticas públicas. Nessa linha, não é possível fazer- se abstração da influência dos regimes políticos em toda a sua complexidade e abrangência sobre essa seara.

1.3.1 – Regimes políticos

É necessário o conhecimento das implicações dos regimes políticos – complexos jogos de forças que circunstanciam as políticas públicas – como um pré-requisito, tanto para julgar a alternativa, a viabilidade e a pertinência das políticas, como para interpretar seu sentido e as conseqüências sociais delas oriundas.

O adequado conhecimento dessas nuanças pode conduzir a processos mais adequados de formulação e implementação de políticas, provavelmente mais sensíveis à complexidade da dinâmica intraburocrática e às restrições do contexto sócio-político.

O Professor José Alfredo de Oliveira Baracho, assentando critérios para identificação dos regimes políticos contemporâneos, busca na obra Princípios de Teoria Política, de Luiz Sanchez Agesta, publicista espanhol, uma reformulação das bases de reflexão acerca dos tipos de regimes contemporâneos, enumerando as seguintes associações, relativamente:

a) ao regime liberal:

Ideologia – liberdade negativa e individualismo;

Fórmula constitucional – direitos individuais;

Legitimação e estrutura de poder – concorrência de opiniões ou divisão de poder; Ordem socioeconômica – liberdade de concorrência ou livre concorrência.

b) ao regime totalitário:

Nacionalismo, Racismo, Marxismo – deveres sociais;

Oligarquias, partido único – planificação centralizada.

c) ao regime corporativo:

Liberdade no grupo – pluralismo – direitos dos grupos;

Representação dos grupos e corporações – auto-ordenação dos grupos.

d) ao regime de bem-estar social:

Liberdade positiva – bem-estar social – direitos sociais – ação administrativa; Intervenção do poder, poder compensador de redistribuição – economia dirigida.

Contudo, tendo em vista a sistemática deste trabalho, adota-se, com inspiração nos ensinamentos de Oscar Oszlah, em tese desenvolvida em projeto de pesquisa patrocinado pelo Programa de Pesquisas Sociais sobre População na América Latina, a idificação seguinte, que orientará, nesse espaço, as reflexões sobre o modelo brasileiro, sob a perspectiva de análise de políticas públicas:

a) Regimes burocráticos autoritários;

b) Regimes democráticos liberais e c) Regimes patrimonialistas.

Colhem-se do alentado trabalho considerações essenciais que podem ser sintetizadas e adotadas para a compreensão da classificação proposta.

1.3.1.1 – Regimes burocráticos autoritários

Registra-se, aí, forte tendência à exacerbação do princípio da autoridade em todos os níveis de governo. A estrutura é piramidal, submetida a controle via hierarquias paralelas.

Nesse contexto, há um avanço do Estado sobre uma sociedade civil atomizada e desmobilizada, que oferece, em contrapartida, um reduzidíssimo volume de informações e feedback.

Com um poderoso aparato estatal de coerção e de controle social, os regimes burocráticos autoritários formulam e implementam, de forma artificial, políticas que impõem transformações drásticas nas condições sociais ou econômicas vigentes.

A formulação de políticas deixa de ser o resultado de um processo de negociação e compromisso entre os diferentes setores sociais e forças políticas e passa a depender mais estreitamente de iniciativa ou proposta de grupos técnicos e funcionários de confiança.

São suas características:

· a racionalização;

· a orientação eficientista e

· a fixação autoritária de recursos.

1.3.1.2 – Regimes democráticos liberais

Nesses o traço dominante é a estrutura de poder fundada em um complexo jogo de forças entre interesses e organizações privadas, organizações burocráticas, governos locais, partidos políticos, sindicatos, parlamento e governo central, forjando uma estrutura poliárquica.

Devido ao alto grau de organização da sociedade civil, as políticas públicas obtêm um feedback quase instantâneo.

Há, em contrapartida, uma tendência negativa à forte clivagem política e à prevalência da orientação clientelista.

1.3.1.3 – Regimes patrimonialistas (autoritarismos tradicionais)

Nesses regimes, registra-se a dominação de um só homem, que necessita de funcionários para exercer sua autoridade. O Presidente ocupa o centro do cenário político, do qual exerce um poder ilimitado, baseado em relações pessoais e obrigações recíprocas. O controle, portanto, é personalista. Sob o influxo do referido regime, toma corpo uma estrutura informal relativamente coesa de funcionários subordinados, controlada por homens de confiança, responsáveis por órgãos-chave. Há uma estratificação institucional, na qual órgãos tradicionais são mantidos com meras rotinas, condições precárias de trabalho e baixos salários, enquanto instituições modernas, intimamente vinculadas à presidência, sustentam um poder ilimitado mediante monopolização dos recursos. É muito comum a figura de eminências pardas, secretários sem pasta. Nesse modelo, coexistem a estrutura tradicional marginalizada e as unidades operacionais ad hoc (corte), registrando-se, de outra parte, um baixo grau de organização e ativação da sociedade civil.

1.3.2 – Modelos de concepção e de implementação de políticas públicas

Por razões metodológicas, faz-se, igualmente, opção, no presente trabalho, pelos modelos de concepção e implementação de políticas públicas sugeridos por Oscar Oszlak no referido projeto e cujas idéias centrais constituirão o suporte das considerações a respeito da relação modelo de concepção e implementação de políticas públicas – regime político.

Consoante raciocínio do pesquisador argentino, modelos distintos conformam os procedimentos desenvolvidos nessas fases, os quais se adaptam às formas alternativas de regimes políticos: o da intelecção, em que se verifica a prevalência da racionalidade técnica, e o da interação, que se assenta sobre a prevalência da racionalidade política, tendo por base a negociação e o ajuste mútuo entre os integrantes do processo.

1.3.2.1 – Modelo de intelecção

É próprio de Estados socialistas e sociedades subdesenvolvidas. Normalmente, é baseado no princípio da racionalidade técnica, sendo que o controle das relações é exercido antecipadamente. Nesse modelo, atribuem-se aos atores determinadas posições, recursos, comportamentos, e esses – por meio do exercício intelectual do planejamento – levam-nos para aquele destino que se supõe contemple melhor os interesses da coletividade, ou seja, constrói-se um sistema ideal de relações segundo pautas e critérios previamente estabelecidos.

1.3.2.2 – Modelo de interação

A negociação, o ajuste mútuo e a mudança incremental são a base do estilo de decisão política – conhecimento da situação pelas autoridades governamentais, grupos privados e cidadãos. O modelo é próprio de sociedades democrático-liberais e caracteriza-se pela aplicação da racionalidade política. A coordenação entre os diferentes agentes resulta de transações políticas e não de um esquema racional prévio.

1.3.3 – Traços do modelo brasileiro

O modelo brasileiro de políticas públicas refletiu em tons marcantes os traços do regime burocrático autoritário e do patrimonialismo, e só mais recentemente o planejamento vem rompendo com as tendências do centralismo da União, de linha compreensivista de ação e de filosofia tecnocrática. Nesse particular, começa a se conformar às diretrizes de democratização e a assimilar o novo quadro político. Rompe-se com a lógica do modelo de intelecção que sustentou os pródigos programas nacionais para buscar o caminho da interação. É que, no plano político, o processo de redemocratização do País levou à construção de uma nova relação Estado-sociedade, cuja lógica passou a incorporar, sobretudo, o respeito à cidadania, a prevalência do pluralismo de convicções e crenças e a legitimidade dos grupos intermediários. Nesse contexto, intensificaram- se as discussões em torno do papel do Estado, do modelo federativo, da desmistificação do perfil da máquina pública, da necessidade de descentralização da concepção e da gestão de políticas públicas, e rompeu-se com o antagonismo à emergência e consolidação de núcleos organizados da sociedade civil.

Contudo, ainda no tocante à temática das políticas públicas, deve-se levar em consideração a persistência da deficiência dos partidos políticos no Brasil que, prescindindo de identidade e de programas consistentes, continuam frustrando as expectativas do eleitorado, cuja manifestação formal por meio do voto, em realidade, não expressa a vontade comum. Isto é, a vontade eleitoral que se traduz, na linguagem de José Alfredo de Oliveira Baracho, na “designação e na conversão em mandatos, de conformidade com o sistema eleitoral adotado” não guarda coerência com a vontade subjetiva dos integrantes da sociedade, seja em razão dos processos massivos de manipulação, seja em razão da fragilidade dos partidos como opção política. Tal descompasso é de se ver no artificialismo dos partidos políticos brasileiros, quadro que se alteraria se as agremiações se sintonizassem com os novos paradigmas da ordem democrática e se comprometessem com as mudanças nas relações sociedade e Estado, aliás, como recomenda o mesmo constitucionalista, recapitulando Sartori: “Sartori (1969), referindo-se aos partidos, dizia que uma verdadeira sociologia política reclamava exploração simultânea, de como os partidos estão condicionados pela sociedade e como a sociedade está condicionada pelo sistema de partidos”.

Acrescentaríamos que tal condicionamento não pode estar, tão-só, inserido nos discursos políticos – de resto afastados de sólidos marcos ideológicos capazes de identificá-los – mas há de se revelar pelas verdadeiras idéias e práticas políticas de seus integrantes, as quais, por sua vez, devem ser determinantes do voto.

É que, segundo lembra o constitucionalista mineiro:

“A operação eleitoral pode ser considerada como resultante de uma série de compromissos entre as forças e as ideologias que se opõem, de conformidade com uma perspectiva imediata ou por razões de princípios”.

Nesse sentido, as campanhas não podem ser espaço de manipulação, os compromissos eleitorais não podem ser meros arranjos de campanhas publicitárias ou respostas forjadas a demandas ascultadas em pesquisas de opinião, sem o apoio do debate em torno das idéias e práticas.

1.4 – Determinantes gerais/constitucionais

Além de sofrer os reflexos do quadro econômico-social e das demandas deste, bem assim do regime político, a tríplice manifestação do Estado no campo das políticas públicas é influenciada, de forma direta, pela ordem jurídica, especialmente, pelos princípios e normas constitucionais (Constituição Federal e Constituição Estadual), que redefiniram os rumos da relação Estado-sociedade.

É que, no plano jurídico, repercutiram as alterações ocorridas em sede política, com a positivação de novos valores e regras concertadas sob parâmetros de modernas experiências e novo clima de convivência. Instrumentalizaram-se direitos sociais, coletivos e difusos, por meio de mecanismos de garantia de sua efetividade.

Com efeito, a Constituição de 1988 traz avanços importantes. Apreendendo as linhas do cenário nacional, acolhe as conquistas políticas e o progresso empreendido pelo direito ordinário, além de consagrar novidades, e, mesmo sem uma perfeita interpretação das tendências mundiais verificadas a partir da Perestroika, de Gorbachev, e dos grandes programas de modernização, de Deng Xiaoping, apropria idéias relevantes. Altera a repartição de competências, fortalece o poder de intervenção estatal sobre a propriedade e dá densidade e conseqüência ao princípio da função social. No campo da Administração, porém, a Carta retrata uma errônea visão burocrática estatal, de um corpo coerente, adaptado ao espaço a ele reservado nos dias atuais, em toda sua extensão, e dotado de autonomia orgânica e funcional. Uma máquina pacificada sob as luzes de nobilíssimos princípios e diretrizes de participação, de inspiração democrática, como se aquela estivesse infensa à crise geral de identidade do setor público e à crítica universal à gestão administrativa, em especial. Concebe formalmente uma identidade democrática, mas, com ressalva para louváveis alternativas democráticas, mantém intocável a filosofia autoritária de resistência, de burocratismo, de formalismo; projeta uma imagem de Administração mediadora, não obstante guarde resíduos de centralismo e de unilateralidade decisória do poder público.

Dessa forma, algumas características básicas da Carta Política de 1988 tracejam a primeira moldura do projeto de relação Estado-sociedade.

1.4.1 – Opção pelo Estado Democrático de Direito

A Carta consagra, no artigo inaugural, o Estado Democrático de Direito, o qual deve ter como fundamento a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, o pluralismo político e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Estrutura-se novo núcleo filosófico-institucional de sustentação política que contempla sucessivas e concêntricas órbitas de interesse e cujas forças vetoriais hão de ser impulsionadas e alimentadas em processo democrático e de absoluta cumplicidade entre o cidadão, a sociedade e o Estado, na efetivação do pluralismo ideal.

Como matriz dessa concepção, a Constituição equivale a um instrumento do Estado e da sociedade como uma reação à marginalização desta.

José Alfredo de Oliveira Baracho colhe de Jean Francois Revel a afirmação de que, sendo exageradamente pretensioso, o Estado marginaliza a sociedade e desestimula as iniciativas. Opondo-se a esse exagero relatado por Revel, adverte o constitucionalista mineiro para a necessidade de uma nova visão do papel do Estado:

“O Estado não é substituto eventual dos atores omissos, pelo que deve velar pela garantia do bem comum, sem substituir as ações possíveis dos cidadãos, capazes de corresponder ao interesse geral.”

Contudo, ainda pouco fiel à matriz constitucional, o Estado brasileiro, longe de assimilar, sem reservas, novos traços, só acanhadamente vem incorporando aquela filosofia, continuando, em vários setores do aparelhamento, na letargia do repouso sobre os antigos vícios e disfunções, desconhecendo, também, inconfundíveis paradigmas informais que apelam por reflexos no aparelhamento estatal, nas relações e ações do poder público.

É certo que há avanços, mas estes vêm-se operando parcimoniosamente, principalmente em face das resistências veladas ou assumidas à nova ordem constitucional.

De qualquer modo, a clareza do texto constitucional é da maior importância e deve projetar conseqüências sobre o sistema jurídico, a política, a Administração e a sociedade.

Assim as várias disposições que enfatizam a consolidação do regime democrático e participativo e, por conseqüência, o papel do Poder Legislativo, enquanto canal por excelência de manifestação da vontade popular na democracia representativa.

José Alfredo de Oliveira Baracho, interpretando Jorge Miranda, afirma a extensão da soberania popular, reconhecendo ao povo efetivo poder de influir nas ações governamentais, numa tentativa de densificar a própria noção de democracia:

“Exerce-a, notadamente, por meio de representantes, mas também de fixação das linhas programáticas que norteiam as atividades políticas”.

É certo que democracia, em acepção restrita, designa a forma pela qual são escolhidos os governantes, sendo que em acepção mais ampla, a expressão abrange o sistema político, os valores e os objetivos estabelecidos na carta política.

A concepção clássica adotou o conceito meramente formal de democracia, como forma de governo, segundo a qual o povo, fonte primária do poder, se auto-ordena, determina a sua ordem jurídica, por via direta ou, ainda, indiretamente, por meio de representantes eleitos a título provisório e revogável. Esse conceito de democracia põe em relevo o princípio da legalidade formal.

A opção da nova Carta Constitucional, à evidência, é por incorporar os valores da democracia material, eis que estabelece princípios fundamentais, objetivos e metas, substrato do Estado Democrático de Direito. A ele compete realizar a justiça, a liberdade, a solidariedade e outros valores por via de processo democrático e juridicamente respaldado.

Essa democracia consubstancia-se no compromisso efetivo com a redução das grandes desigualdades sociais e regionais, forjando o espraiamento da cidadania, pela recusa radical do paternalismo fácil e pelo fomento à participação decisiva da sociedade.

Desse modo, as políticas públicas, sob a perspectiva ideológica, no plano da concepção, hão de sustentar-se sobre o pilar da participação política, que se estrutura nuclearmente na revitalização e dinamização do Legislativo e na projeção de novas formas de compartilhamento da sociedade e, no plano do resultado, sobre o comando da superação da crise da distribuição. Nesse sentido, as políticas públicas devem ser instrumentos de tranferência de riqueza entre os cidadãos, operando, de modo mais equânime, a distribuição de bens, serviços, oportunidades e rendas.

Pode-se afirmar ser a atual Constituição de tipo soloniano, tendo em vista que não se limita a disciplinar formalmente a convivência política, mas regula a própria substância das relações políticas. Com efeito, busca a Carta Magna tracejar novo molde para a sociedade brasileira, conquanto insuficiente, por si só, para operar a mudança pretendida.

1.4.2 – Características da Constituição de 1988

A Constituição, assimilando nova diretriz política, reflete, também, o estágio da pós-modernidade, consagrando a sociedade do conhecimento e da informação, em substituição à sociedade industrial, da técnica e da máquina.

Essa postura política do constituinte brasileiro é o coroamento dos movimentos iniciados nos anos sessenta, os quais propugnavam por uma nova compreensão do desenvolvimento, desprezada a equivocada referência da eficiência a qualquer custo como suporte da ação estatal.

Na Constituição de 1988, destacam-se o caráter pluralista, traduzido pelo acatamento das pressões de grupos e dos desalentos populares mediante disciplinamento exaustivo de diversas matérias de natureza infraconstitucional, e o signo programático e dirigente, com o qual procura antecipar um novo modelo de sociedade.

O texto outros traços notáveis informa:

· Descentralização política e administrativa – Estados e Municípios mais fortes;

· Revitalização institucional – retomada e prerrogativas do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas.

· Valorização dos agentes e instituições da sociedade civil (sindicatos, partidos políticos, cooperativas, associações), da vida, da dignidade pessoal e dos direitos humanos;

· Constitucionalização de direitos sociais e trabalhistas;

· Adoção de modelo capitalista permeado de dispositivos nacionalistas e de controle do capital e do exercício do direito de propriedade;

· Subordinação dos interesses econômicos aos sociais;

· Incentivos à educação e à pesquisa, bem como ao desenvolvimento tecnológico;

· Proteção de interesses difusos justificando os avanços na seara da preservação ambiental;

· Participação do cidadão, entre outros.

1.4.3 – A Constituição do Estado de Minas Gerais

Assim como a Constituição da República, a Carta Mineira realça a direção democrática de construção da sociedade, registrando, em seu preâmbulo, a preocupação do constituinte com a consolidação dos princípios consagrados no Estatuto Supremo, com a descentralização do poder, com o seu controle pelos cidadãos e com a garantia da cidadania, dando ênfase à justiça social.

A Constituição Mineira assimila, assim, as características da Carta da República, cuidando, ainda, de explicitar linhas básicas próprias, sobre as quais deverá assentar-se a ação estatal como um todo. Nessa linha, registrem-se as normas contidas nos arts. 1o, § 2o, e 2°, do Título I, Das Disposições Preliminares:

“Art. 1o (omissis)

§ 2° – O Estado se organiza e se rege por esta Constituição e leis que adotar, observados os princípios constitucionais da República.

Art. 2o – São objetivos prioritários do Estado:

I – garantir a efetividade dos direitos públicos subjetivos;

II – assegurar o exercício, pelo cidadão, dos mecanismos de controle da legalidade e legitimidade dos atos do Poder Público e da eficiência dos serviços públicos;

III – preservar os valores éticos;

IV – promover a regionalização da ação administrativa, em busca do equilíbrio no desenvolvimento das coletividades;

V – criar condições para a segurança e a ordem públicas;

VI – promover as condições necessárias para a fixação do homem ao campo;

VII – garantir a educação, o ensino, a saúde e a assistência à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

VIII – dar assistência ao Município, especialmente ao de escassas condições de propulsão socioeconômica; IX – preservar os interesses gerais e coletivos;

X – garantir a unidade e a integridade de seu território;

XI – desenvolver e fortalecer, junto aos cidadãos e aos grupos civis, os sentimentos de pertinência à comunidade mineira em favor da preservação da unidade geográfica de Minas Gerais e de sua identidade social, cultural, política e histórica”.

1.5 – Diretrizes específicas

De caráter pluralista, programático e democrático, as Cartas Políticas atuais informam, de modo direto, o planejamento, o direito financeiro e orçamentário e o perfil da Administração do Estado.

1.5.1 – Planejamento

Na lição do Prof. José Maria A. M. Dias, a função planejamento

“refere-se ao processo permanente e metodológico de abordagem racional e científica, segundo a qual pessoas físicas (seres humanos) ou pessoas jurídicas (Empresas Privadas e Serviço Público Governamental) dela se utilizam para enfrentarem problemas, crises, mudanças, ou mesmo para assegurarem, no ritmo competitivo do mundo de hoje, a sua sobrevivência, em razão das estruturas e conjunturas em que se inserem”.

Tratando dos instrumentos de planejamento, sintetiza-os o cientista da Administração Pública no seguinte enunciado:

“o plano tem o sentido específico de sistematizar e compatibilizar objetivos, metas, resultados, a fim de superar problemas, vencer crises, realizar mudanças ou assegurar a sobrevivência de uma organização ou instituição, procurando tirar o máximo de proveito no uso de seus diferentes recursos e talentos. O plano deve, também, fornecer referenciais que permitam dar continuidade aos seus desdobramentos setoriais, regionais ou globais (quando necessário), com vistas à elaboração de programas e projetos específicos, dentro de uma coerência interna e externa em relação ao contexto no qual a Empresa ou o Serviço Público Governamental considerado se insere”.

Apesar da concordância de muitos quanto à necessidade do planejamento, como instrumento básico para a promoção do desenvolvimentos – seja ele nacional, estadual ou municipal -, e de relativo consenso em torno de suas tecnicalidades, ao longo das duas últimas décadas, foram se acumulando críticas, muitas delas severas, que colocavam em cheque a validade e a eficácia do planejamento governamental.

Uma análise dessas críticas, ainda que pouco aprofundada, permite registrar alguns pontos que são balizadores de qualquer discussão a respeito de planejamento na área pública e estabelecer áreas de convergência relativamente ao tema em questão.

Em primeiro lugar, as críticas mais pertinentes não conseguem abalar a crença na necessidade do planejamento; elas estão centradas em seus estilos e formas, expressando divergências de tradicionais opositores e até de árduos defensores do planejamento.

Assim, para o resgate do planejamento, é fundamental uma análise criteriosa, despida de preconceitos ideológicos, das experiências de planejamento realizadas no passado com vistas à eliminação das falhas e à assimilação das diretrizes técnicas e lógicas compossíveis com a nova concepção do Estado brasileiro e com a nova ordem econômico-social.

1.5.1.1 – Planejamento e centralização

No Brasil, onde o regime burocrático autoritário teve longa vida, as políticas públicas, durante anos, foram orientadas por diretrizes de extrema centralização de recursos e de decisões. As experiências de planejamento construídas em contexto político dominado pelo autoritarismo se desenvolveram segundo métodos de tendência centrípeta, transmitindo ao centro todo o poder decisório.

Durante os governos pós–64, houve prevalência absoluta do planejamento de estilo compreensivista, condicionado à exacerbada centralização de poderes na esfera da União e, em especial, na tecnocracia.

Esse estilo de planejamento pretendia alinhar sob seu comando amplos setores de políticas públicas e da comunidade privada e exigia para sua implementação alto grau de centralização financeira e decisória, a par de constituir-se em campo por excelência para o exercício do poder tecnocrático e para a montagem de pesadas estruturas burocráticas, fechadas aos anseios e pressões da sociedade, mesmo as mais legítimas.

Isso levou à formação dos grandes programas nacionais, os quais eram implementados de forma homogênea em Estados e Municípios, independentemente de suas características e da capacidade de suas respectivas burocracias públicas.

Pretendia-se obrigar Estados e Municípios, por meio da adesão compulsória aos programas nacionais, à modernização de suas estruturas burocráticas nos moldes e no estilo definidos pela União, incentivando- se a criação, principalmente no âmbito dos Estados, de empresas de economia mista e empresas públicas que deviam operar em estreita sintonia com as decisões da União.

Com isso, agigantou-se a máquina pública estadual, no âmbito da administração indireta, fragilizaram-se as Administrações Municipais e deslocou-se o eixo do poder para as tecnocracias, com inquestionáveis prejuízos para a representação política.

Há um consenso no que se refere às dificuldades e aos percalços gerados pela adoção das filosofias defendidas pelo regime autoritário. De outro lado, não há dúvida de que os modelos convencionais de desenvolvimento, baseados no crescimento industrial, em tecnologias intensivas de capital e na concentração de rendas, mostraram-se incapazes de prover as necessidades básicas da população, levando à deterioração das condições de vida, aumentando a pobreza, acentuando as distorções no tecido social e promovendo o uso predatório dos recursos naturais.

Comentando essa errônea tendência, afirma Bernard H. Booms:

“Os economistas traduziram a noção de eficiência por interesse público, utilizando a articulação da demanda baseada na soberania do consumidor, e a resposta da oferta fundamentada nos mecanismos da competição (…).

A maioria das questões sobre política, porém, não é do tipo consumidor-demanda-empresa privada- oferta, mas envolve externalidades e outros elementos que constituem os pontos fracos do mercado”.

A par do agravamento das desigualdades sociais, a experiência do período autoritário deixou seqüelas profundas em toda a Federação. Dentre elas, registram-se, além das disfunções das máquinas administrativas estaduais e do agigantamento do Estado, a inadequação da burocracia municipal para subsidiar tecnicamente o planejamento e as decisões políticas.

Essa fragilidade de Estados e Municípios, sob aspectos financeiros e técnicos, coincide, justamente, com o momento em que a Constituição Federal assinala a diretriz de descentralização de competências e responsabilidades no tocante a diversas políticas públicas e, ainda, de instrumentos de natureza fiscal.

Por outro lado, as críticas contundentes ao estilo centralizador de planejamento vêm sedimentando indicadores de formação de novos paradigmas, de novas formas de planejamento mais descentralizado, em substituição à persistente lógica autoritária.

Fica evidenciado, hoje, que as balizas dos atos de governo devem estar traçadas em processo democrático de construção legislativa, legitimado pela participação popular nas formas institucionais disponíveis mesmo em situações de dificuldades, eis que as crises são recorrentes, apenas com variação de conteúdo e circunstâncias, tendo em sua gênese fatores relacionados à gestão estatal, à ordem econômica, ao comportamento ético e moral e à questão social.

Ocorrre, muitas vezes, que o Governo, com a justificativa de que as demandas sociais exigem respostas imediatas, atua em franca renúncia às leis, em crônica tentação bonapartista e imperial de julgar-se legitimado a adotar as medidas para a viabilização prática daquilo que ele próprio erige como interesse, especialmente em momentos de crise.

Contra essa prática sustenta Niklas Luhmann a necessidade de legitimação permanente do processo decisório ao argumento de que o apoio político dos agentes responsáveis não pode ser entendido como um pressuposto, mas deve estar garantido na adaptação do sistema ao seu ambiente:

“Numa medida que seria impensável, ou insuportável em sociedades mais antigas, as alternativas tornam-se visíveis e decisivas. Isto significa também que o apoio político já não pode ser pressuposto, mas sim concedido. Instituições invariavelmente legitimadas como a coroa e o altar não são complexas em si mesmas, e não são suficientemente móveis para poderem aproveitar e ordenar de forma convincente as novas possibilidades; elas não funcionariam como garantias do poder legítimo. São substituídas pelo fato de o apoio político se converter em problema permanente a ser resolvido pela organização e pelo trabalho quotidiano. A mobilização das premissas de decisão e a mobilização das condições de apoio político condicionam-se mutuamente e dão, conjuntamente, lugar àquela indeterminação estrutural do sistema político, que é típica e necessária aos sistemas com complexidade elevada”.

Por fim, mesmo rechaçando o planejamento de estilo compreensivista, é importante recuperar resultados positivos por ele conseguidos, sem perder de vista seus maiores equívocos.

1.5.1.2 – A Constituição de 1988 e a descentralização

Refletindo posições de consenso de amplos segmentos da sociedade sobre a necessidade premente de se repensar o modelo centralizador, espinha dorsal das ações dos governos pós–64, a recente Carta Constitucional, ao redefinir competências e responsabilidades dos níveis de governo – União, Estados e Municípios – na gestão da coisa pública, busca estancar as profundas distorções dos processos de planejamento e de implementação das ações públicas.

O novel texto abre aos Estados e Municípios espaço relevante no quadro político e administrativo da Federação, pondo fim à prevalência excessiva da União, e definindo a primeira moldura jurídica do processo de descentralização, ao mesmo tempo em que assegura mecanismos de participação da sociedade.

Esse cenário de redefinição de papéis, de relações e de responsabilidades, de concordância quanto à decadência do modelo centralizador, de alterações dos rumos do planejamento, com nítidos sinais de inversão da lógica e da dinâmica até entao prevalecentes, de perspectivas de horizontalidade na relação administração- administrado é, sem dúvida, marcado pelas perplexidades da transição. Por isso mesmo, aqueles que se propõem a colaborar na concepção de uma política pública não podem perder de vista o cenário da circunstância, mas devem desenvolver um sério esforço no sentido de viabilizar um novo modelo legislativo ou administrativo, compatível com a realidade de inúmeros núcleos públicos de interesses, modelo esse que incorpore mecanismos capazes de neutralizar as resistências à mudança e de assegurar eficiência e eficácia em sua gestão pela adoção paulatina de práticas consensuais e conciliatórias.

A transição para esse novo estágio esboçado em nível constitucional pressupõe o planejamento da descentralização como tarefa primordial, que deve ser enfrentada com apoio e participação das diversas esferas de governo, de modo a permitir transferência de responsabilidades, de recursos financeiros e de apoio técnico para assegurar a eficácia da gestão administrativa.

A democratização das informações e o apoio técnico são pré-condições de viabilidade de qualquer modelo descentralizado de planejamento, já a ausência de compartilhamento, a fragilização das estruturas administrativas, a deterioração da qualidade de seus recursos humanos comprometem em muito a capacidade de gestão de Estados e Municípios.

Modernamente, trabalha-se a perspectiva de implementação de um novo estilo de planejamento, baseado, sobretudo, na capacidade dos governos locais de formularem demandas que possam informar as políticas de desenvolvimento regional, de competência do governo do Estado e da União. Destaca-se, assim, a escala municipal como o mais apropriado locus de uma gestão democrática e socialmente eqüitativa.

1.5.1.3 – Estilo participativo de planejamento

Nesse contexto, o estilo participativo de planejamento aparece como o que colide frontalmente com o compreensivista.

Modelo participativo – Quer-se adotar o modelo, num reconhecimento de que os afetados pelas decisões governamentais têm o direito de interferir no processo decisório. Todavia, não basta enunciar as vantagens da participação, da descentralização e da utilização de recursos locais. É preciso ter em conta que a adoção de um planejamento baseado nesses princípios não significa necessariamente facilidades em sua viabilização.

De fato, a adesão irrestrita aos pressupostos do planejamento participativo pode levar a situações que prejudiquem a eficácia do instrumento. O ponto crucial é a definição de como deve ser feito o compartilhamento; é a criação de mecanismos institucionais de participação com a indicação clara dos níveis do processo de planejamento em que ela é desejável e eficaz.

De outra parte, não se pode deixar de atentar no fato de que o planejamento governamental passa forçosamente pelo crivo de decisores políticos do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores. Em tese, num regime democrático, esse planejamento sofrerá menores restrições nas Casas Legislativas, se estiver afinado com os anseios maiores das comunidades representadas pelos decisores políticos.

O Prof. José Maria A. M. Dias descreve, com rigor, a tarefa do técnico no processo de planejamento tradicional, afirmando que a ele cabe equacionar e operacionalizar opções assumidas pelo centro decisório, observada a seguinte seqüência:

“a) equacionamento: que corresponde ao conjunto de informações significativas para a tomada de decisões, encaminhadas pelos Técnicos de Planejamento aos Centros decisórios; para esse efeito, Lozano e Ferrer explicam que ‘a função essencial do planejamento, como instrumento técnico, é aumentar a capacidade e melhorar a qualidade do processo de adoção de decisões, oferecendo dados básicos da situação e necessidades, e elementos de juízo para as situações, bem como oferecendo dados das tendências e projeções futuras’.

b) decisão: que corresponde à escolha de alternativas; o nível de participação do planejador, nessa atividade, é variável de acordo com as particularidades de cada caso;

c) operacionalização: relaciona-se com o detalhamento das atividades necessárias à efetivação das decisões tomadas, cabendo aos técnicos sua consubstanciação em planos, programas e projetos, e, na ocasião oportuna, as medidas para sua implementação;

d) ação: refere-se às providências que transformarão em realidade o que foi planejado; cabe ao técnico, nesta etapa, o acompanhamento da implantação, o controle e a avaliação que realimentarão o ciclo de planejamento, de acordo com as perspectivas da política adotada”.

Assim, segundo ele, cabe ao staff governamental, por meio de um trabalho técnico – o que pressupõe existência de equipes qualificadas – propor políticas, programas e projetos sintonizados com as demandas, com a realidade e sustentados por critérios de ordem técnica e financeira.

A elaboração de planos e projetos implica em decisão, a qual poderá acarretar o desagrado daqueles segmentos que tiveram suas expectativas postergadas e nisso reside o nó górdio do planejamento participativo. Eis a razão pela qual o incentivo à participação deverá ocorrer a partir da definição das linhas mestras de atuação do poder público, o que dará sentido e forma à participação; caso contrário, a mobilização levará fatalmente à anarquia das demandas. A seleção a posteriori pelo poder público acarretará insatisfações generalizadas por parte de todos aqueles que, chamados à participação, não tiverem contempladas suas reivindicações.

Dessa forma, devem-se avaliar os desacertos advindos de um planejamento participativo mal conduzido que pode escamotear a responsabilidade técnica e política da tomada de decisões, forjar uma legitimação aparente das ações públicas e frustrar os participantes.

Planejamento sob a perspectiva democrática é, pois, o exercício árduo de combinar demanda social, determinação política e conhecimento técnico da realidade, o que poderá levar a decisões capazes de reverter situações insustentáveis de privação e desigualdade.

Nesse sentido, cabe aos responsáveis pela condução do processo de elaboração do planejamento governamental a tarefa de definir diretrizes, metas e objetivos, trazendo para o âmbito do processo a participação organizada e responsável de amplos segmentos da sociedade. Este é um momento extremamente instigante e que permite a eclosão saudável de conflitos de interesse, a negociação e a formação de alianças e parcerias. E, se conduzido com habilidade, o processo permite, ainda, focalizar as demandas de natureza nitidamente corporativista e, como tal, distantes dos interesses maiores da sociedade, bem como aglutinar os setores mais afinados com as propostas de um desenvolvimento que assegure uma distribuição mais justa e igualitária de seus benefícios.

1.5.1.4 – Instrumentos de planejamento

Os instrumentos de planejamento e orçamento, objetos de lei, são:

· Lei de Plano Plurianual de Ação Governamental;

· Lei de Diretrizes orçamentárias (deve conter a definição de diretrizes, metas e prioridades a curto prazo e traduz-se como preordenação dos limites à elaboração da lei orçamentária anual) e

· Lei Orçamentária Anual – Orçamento-programa (torna exeqüíveis as metas e prioridades fixadas nos demais documentos mediante a previsão de receitas e despesas).

A Carta Mineira previu também o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, instrumento de fomento ao desenvolvimento que deve congregar esforços do poder público e da iniciativa privada.

O PMDI é proposto pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, em que se assegura participação da sociedade civil.

A propósito da matéria, dispõe a Constituição do Estado, no art. 231:

“O Estado, para fomentar o desenvolvimento econômico, observados os princípios da Constituição da República e os desta Constituição, estabelecerá e executará o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, que será proposto pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e aprovado em lei.

§ 1o – Na composição do Conselho será assegurada a participação da sociedade civil. § 2o – O plano terá, entre outros, os seguintes objetivos:

I – o desenvolvimento socioeconômico integrado do Estado;

II – a racionalização e a coordenação das ações do Governo;

III – o incremento das atividades produtivas do Estado;

IV – a expansão social do mercado consumidor;

V – a superação das desigualdades sociais e regionais do Estado; VI – a expansão do mercado de trabalho;

VII – o desenvolvimento tecnológico do Estado.

§ 3o – Na fixação das diretrizes para a consecução dos objetivos previstos no parágrafo anterior, deve o Estado respeitar e preservar os valores culturais.

§ 4o – O planejamento governamental terá caráter indicativo para o setor privado”.

Todas essas leis são de iniciativa do Poder Executivo, chamando-se o Legislativo, mediante processo legislativo democrático, com possibilidade de apresentação de emendas, a tornar-se cúmplice na definição de investimentos nos diversos setores da sociedade. Tem-se, pois, o verdadeiro reforço da legalidade material.

Destaca-se que, na seara do Direito Financeiro e do Direito Tributário, a competência do Estado é complementar ou suplementar, cabendo-lhe suprir os espaços da Constituição e das normas federais.

1.5.2 – Diretrizes específicas do Orçamento

1.5.2.1 – Concepção formal de Orçamento

A Doutrina, presa à concepção formal de democracia, tradicionalmente, confere ao Orçamento o caráter de lei de meios.

Nessa linha, o conceito formulado por Aliomar Baleeiro, de resto pacífico entre os estudiosos das Finanças Públicas:

“Ato pelo qual, o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei”.

A Lei n. 4.320, de 17/3/64 (Lei de Contabilidade Pública), no art. 64, § 2o, trata a espécie sob o mesmo ângulo:

“Discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômico-financeira e o programa de trabalho do governo, obedecidos os princípios de unidade, universalidade e anualidade”.

A idéia de legalidade formal do Orçamento – documento do Estado contendo a prévia aprovação pelo Poder Legislativo das receitas e despesas públicas para um determinado período – corresponde à concepção formal de democracia.

Disso, resulta claro que, sob essa ótica, ao Legislativo só é reservado o papel legitimador de decisões estritamente técnicas, sem qualquer interferência.

1.5.2.2 – Concepção material de Orçamento

A evolução política, desde o Estado Total, passando pelo Estado Liberal de Direito, pelo Estado Social de Direito, culmina com o Estado Democrático de Direito.

Esses estágios vão introduzindo novos componentes balizadores da espécie. E, aos poucos, à concepção formalista do Orçamento contrapõe-se a material, a envolver uma crescente riqueza de aspectos (políticos, econômicos e sociais) e de funções que ele pode traduzir.

A concepção material suplanta a esfera do conceito formal clássico, para avançar o campo das necessidades mais concretas da sociedade.

Os princípios do Estado Democrático de Direito, traduzidos em vários dispositivos da Constituição de 1988, refletem, com nitidez, na seara do Orçamento, que passa a ser concebido como instrumento de planejamento, gestão e controle democráticos, informado por condicionamentos de ordem material e política. Pretende-se, por meio de destinação ordenada de recursos e mecanismos de participação do cidadão e interação da sociedade e do poder público, materializar ações e objetivos no sentido de minimizar os problemas sociais e econômicos existentes.

Com efeito, sabe-se que não basta mais ser o Orçamento estruturado em nível legal; não pode ser tomado como mera lei de meios que fixa despesas e estima receitas. Ele submete-se aos condicionamentos de ordem material, eis que o Direito Tributário e o Orçamentário, como expressão da concepção do Estado Democrático de Direito, devem ser tratados como instrumentos de democracia, de política social e econômica, com observância de princípios e normas específicas.

1.5.2.3 – Aspectos do Orçamento

Os aspectos fundamentais do Orçamento são:

a) jurídico – submete-se à observância do direito positivo;

b) político – a escolha do objetivo da despesa envolve um ato político que se funda nas idéias, convicções, aspirações e interesses prevalentes, devendo refletir a concepção política do Estado;

c) econômico – pressupõe a conjugação da política fiscal e da conjuntura econômica com vistas à programação das atividades e à compatibilização das tendências;

d) técnico – consubstancia conjunto de elementos de idificação clara, metódica e racional de receitas e despesas a partir de dados técnicos e projeções.

1.5.2.4 – Diretrizes constitucionais do Orçamento

A Constituição da República consagra princípios que sinalizam no sentido da necessidade de que o Orçamento seja usado como instrumento da democracia, como técnica de redução das grandes desigualdades sociais, não se admitindo a sua neutralidade em relação ao fenômeno social. Deve-se ligar a uma nova concepção de desenvolvimento econômico, induzindo resultados com vistas à redução ou erradicação dos grandes contrastes socioeconômicos entre regiões, entre segmentos e entre pessoas, como um campo comum de atuação do Poder Executivo e do Poder Legislativo, observados, igualmente, os limites e as diretrizes específicas.

A Constituição prevê a efetiva participação do Legislativo, que deixa de ser mero homologador de seus termos para assumir a co-responsabilidade por sua definição, abolindo-se o monopólio do Executivo sobre a matéria.

A legalidade, na perspectiva atual, mais de que o conformismo da aparência, deve refletir a cumplicidade do Legislativo e do Executivo na concepção, na orçamentação e na implementação das políticas públicas e a verdadeira postura de controle político do primeiro sobre o segundo.

O modelo proposto em Minas Gerais enseja, ainda, a participação de outros órgãos, mediante previsão de Comissão de Representantes (art. 157), composta por elementos oriundos dos Poderes e de outros órgãos.

Veja-se, ainda, que ao legislativo concederam-se outros instrumentos capazes de operacionalizar sua efetiva participação no processo orçamentário. Nesse sentido, o § 1o do art. 159 da Constituição do Estado introduz os mecanismos que possibilitam o pleno conhecimento das informações, a viabilizar o exercício de seu novo papel de co-responsável pelo processo. Em verdade, dispositivos diversos da Constituição dão destaque à Assembléia Legislativa.

A Carta Magna, com o propósito de evitar desigualdades e privilégios, positiva os princípios básicos e fundamentais da universalidade e da igualdade da Lei Orçamentária e Tributária, por via dos quais pretende-se abolir privilégios que se atribuem a grupos econômicos ou políticos influentes por meio de tributação menos gravosa ou de investimentos tendenciosos de recursos públicos.

Nesse sentido, com o objetivo de impedir concessão de privilégios injustificados, a Constituição do Estado traz expressa regra de caráter operacional, o art. 165, § 6o, segundo o qual o Projeto de Lei Orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito sobre as receitas de despesas decorrentes de isenção, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. Igualmente, as concessões de benefícios fiscais, a destinação de recursos públicos, as renúncias a receitas, como política de subsídios ou subvenções, devem ser objeto de acompanhamento e avaliação.

A Carta da República adota, ainda, princípios da unidade, da anualidade, da programação e da exclusividade que podem ser assim sintetizados:

Unidade – consolidação dos instrumentos orçamentários, orçamento fiscal, de investimentos das empresas e da seguridade, numa lei orçamentária única (art. 165, §§ 1o a 5o CR).

Universalidade – alcance de todas as transações financeiras ou econômicas.

Anualidade – lei orçamentária anual (arts. 48, II, 165, II, § 5o e 166). Respeito ao exercício financeiro.

Igualdade – vedação de estabelecimento de privilégios e tratamento discriminatório.

Programação – vinculação dos instrumentos normativos orçamentários aos planos e programas nacionais, regionais e setoriais (art. 48, II, e IV, e 165, § 4o).

Exclusividade – vedação de normas estranhas à previsão de receita e à fixação da receita (§ 8o do art. 165). Exceções:

a) abertura de créditos suplementares e

b) contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.

Já o princípio do equilíbrio – igualdade entre ingressos e gastos públicos, entre receita e despesa – não figura na Carta atual e, na prática, não tem aplicação.

1.5.3 – Diretrizes específicas da execução (organização)

1.5.3.1 – Administração

A Administração pode ser tomada em diferentes acepções: como governo, como atividade, como organização, ou sob o ângulo de sua finalidade.

Como governo, ela confunde-se com a atividade desenvolvida pelos órgãos superiores, tendo como substrato a competência do Chefe de Governo e de seus auxiliares, os mandatos, as responsabilidades; enquanto atividade, traduz-se como prestação pública, como implementação das políticas públicas; analisada sob a perspectiva finalística, envolve atos, contratos, ou prestação de serviços; enquanto em sentido orgânico, coincide com o próprio conceito de organização, envolvendo administração direta e indireta, apresentando-se como uma engrenagem burocrática anônima, sob um design próprio, tendente a refletir o desejo de resposta do poder público às diversas questões sociais, via políticas públicas.

Sob o último enfoque, pode ser visualizada como a máquina administrativa que operacionaliza e concretiza as políticas, para o que sempre embute condições que teoricamente facilitam ou impedem as ações.

Refletindo, assim, a intenção de resolver questões sociais, expandem-se, diferenciam-se e especializam-se as instituições estatais. A tendência é a especialização funcional, com a criação de campos de atividades relativamente autônomos e voltados para as diversas tipologias de problemas e interesses da sociedade.

1.5.3.2 – Algumas diretrizes constitucionais sobre Administração

A atual Constituição da República traça um rumo de expansividade da Administração, consentindo na existência de administração indireta no seio de qualquer dos Poderes da República, em todos os níveis de Governo, consoante dispõe o art. 37. Nesse aspecto, inova uma prática, até aqui, quase exclusiva do Poder Executivo.

A Constituição do Estado absorve, também, essa diretriz. Na mesma linha, outros dispositivos constitucionais notabilizam a tônica publicizante da administração indireta.

Em nível constitucional, é nítida a tônica da publicização dada às estatais, visivelmente inseridas em campo de direito público, salvo no tocante ao trato das questões econômicas, quando se colocam sob o regime de direito privado. Exemplo irrefutável de publicização do tratamento das estatais está na extensão das regras de acesso de seus servidores. Contudo, fiel às tendências políticas mundiais, a prática política vem operando franca privatização das estatais e desestatização da economia, acenando, ainda, para o afastamento do Estado em seara até entao a ele reservada, mediante a assimilação de organizações sociais.

Sabe-se que a Administração Pública, enquanto atividade, prestação pública e organização, tem como instrumentos ou elementos, cargos, empregos, funções, competências, mandatos, responsabilidades, atribuições, vencimentos, remuneração. A organização como um todo sofre alguns condicionamentos.

A criação de cargos, bem assim de vantagens a eles inerentes e a admissão de pessoal, incluído o da administração indireta, dependem de prévia dotação orçamentária, autorização na LDO, ressalvadas as situações relativas às empresas públicas e às sociedades de economia mista (art. 169).

Sujeita-se a Administração a princípios, até aqui acolhidos na doutrina e na jurisprudência, que são erigidos à condição de normas constitucionais, com implicações profundas na gestão da coisa pública: legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade, razoabialidade (art. 37, CR).

De outra parte, a recente legislação sobre gestão fiscal é documento de extrema relevância para o planejamento e a execução de qualquer ação estatal. A matéria, que vem merecendo tratamento especializado, não é aqui tratada, tendo em vista os limites deste trabalho.

Submete-se o Estado a limites para fixação de remuneração de seus agentes, sujeitando-se, igualmente, à obrigação de respeito aos direitos subjetivos daqueles.

1.5.3.3 – Implementação de políticas públicas

É inegável que a implementação das políticas é atividade de Administração e tem sido tradicionalmente considerada como esfera própria do Poder Executivo. Fica, assim, a cargo de uma engrenagem burocrática anônima e, em última instância, não-responsável. Caracteriza-se como fenômeno essencialmente dinâmico, como momento de aplicação do conteúdo substantivo das políticas concebidas. Envolve aspectos de gestão, de avaliação de eficácia e de impacto no que se refere ao equacionamento dos problemas sociais.

Entretanto, não se vislumbram fases tão distintas. Os processos de informação que se devem instalar nesse fluxo podem se constituir em sinalizações importantes e imprimem a interdependência entre os momentos. Por exemplo: quando o feedback de uma política que se pretende implementar registra oposição por parte de seus aplicadores ou de seus destinatários, é provável que os objetivos contemplados na formulação devam ser objeto de nova reflexão ou devam mesmo ser alterados.

Da mesma forma, se a relação causa-efeito entre determinados instrumentos de ação e certos resultados, conforme projetada, não se verifica, torna-se necessária a sua revisão. Ainda nesse plano dos processos avaliativos de resultados, devem ser cogitadas a eficiência no modo de operação do poder público e a eficácia da ação por ele desenvolvida.

Sob esse aspecto, é importante a análise da dinâmica intraburocrática, o funcionamento do aparato estatal, além do estudo das vinculações com os agentes sociais.

A burocracia estatal embute sempre condições que teoricamente facilitam ou impedem uma articulação eficaz de comportamentos tendentes a converter uma política em ação. Deve-se, pois, pôr atenção especial nessa questão, como forma de garantia de eficácia das políticas públicas.

Como vimos, alguns aspectos são relevantes para essa análise da Administração. Tais são os relacionados com a gestão, que envolve toda a dinâmica intraburocrática do funcionamento do aparato estatal em seu conjunto; com a avaliação de eficácia (impacto no equacionamento dos problemas, interfaces e vinculações com os ajustes sociais); com a racionalidade, eliminando-se superposições, disfunções; com a relação causa-efeito entre instrumentos de ação e resultados; e com informação e feedback – interação para mudança incremental.

A moldura básica das ações administrativas está definida constitucionalmente.

Cada questão social demanda a presença da Administração nos três momentos básicos: planejamento, orçamentação e execução. Nessas atividades, fatores políticos, constitucionais, sociais e técnicos condicionam a Administração.

Além desses fatores condicionantes, gerais ou específicos, da atividade estatal em suas diversas expressões, convém destacar outras diretrizes ditadas pela nova ideologia do Estado e que fundamentam novos discursos e práticas políticas no Brasil: a transparência, como imposição da ordem democrática; a parceria e a flexibilização, imprescindíveis à sustentação da modernização da Administração Pública, à descentralização das ações e à subsidiariedade do Estado; e a ressemantização do interesse público e da legalidade.

Conquanto a idéia de subsidiariedade do Estado tenha precedido as formulações da concepção democrática do Estado de Direito, sendo tributária da Doutrina Social da Igreja, que vislumbra nova relação Estado-indivíduo- sociedade, na dimensão social e econômica, consoante registro das sucessivas encíclicas papais, desde o final do século XIX até o final do século XX (Rerum Novarum – 1891; Quadragésimo Anno – 1931; Mater et Magistra (1961), Centesimus Annus – 1991), é o Estado Democrático de Direito que oferece as matrizes da prática do Estado subsidiário, de reconhecimento de uma esfera pública mais ampla, de respeito à autonomia dos indivíduos e ao papel da sociedade plural e da iniciativa privada, legitimando parcerias, fomento e novas esferas de consenso.

Por outro lado, o interesse público, ideologicamente ressemantizado como a consecussão do bem geral transcendente da esfera estatal, e, assim, gestado e provido também em outras instâncias sociais que não só a estatal, desenha nova relação entre a esfera governamental e as outras nas quais o interesse público ganha relevância.

Do mesmo modo, a legalidade e a igualdade, ressemantizadas, levam ao desafio na produção legislativa e na interpretação da lei no sentido da superação do silogismo formal, para buscar na norma a função prospectiva da criação da igualdade, mediante paradigmas de política legislativa e de aplicação e interpretação informados pela dinâmica democrática, que apela permanentemente por ruptura com o status quo de exclusão social.

2 – Conclusões

Políticas públicas são respostas do Estado a questões sociais ou de interesse da sociedade, as quais desenvolvem-se em três momentos: o da concepção, o da orçamentação e o da implementação, à sua vez, vinculados às funções de planejamento, orçamentação e execução.

As funções estão condicionadas pelo papel do Estado, pelo regime político com a ideologia dominante, pelas diretrizes constitucionais, pela demanda social e pelas características da burocracia estatal.

No quadro atual, a diretriz constitucional mais relevante é a do Estado Democrático de Direito; com relação ao papel estatal, vê-se a tendência à efetivação do Estado subsidiário, conquanto se registre a ambigüidade de tratamento dado ao perfil da Administração – com a linha publicizante tracejada na Constituição e a tônica privatizante, no plano infraconstitucional e na prática do Governo –; quanto ao regime político, pode-se dizer que não se consolidaram, em sua plenitude, os mecanismos democráticos, sendo certo que a mobilização popular tem ocorrido de forma pontual e pouco sistêmica, estando a demandar a organização de um fluxo regular de informações e o assenhoreamento das práticas de controle social, sem prejuízo dos controles institucionais, que devem, a seu turno, buscar formas de compartilhamento suas práticas, mediante a liberação de canais de comunicação e a simplificação de seus procedimentos.

A demanda social, por sua vez, reflete a crise geral em que se insere a população, registrando-se, todavia, perspectivas mais animadoras no que diz respeito à parceria do poder público com a iniciativa privada para a redefinição dos rumos da economia e do desenvolvimento e à participação da sociedade civil em políticas de inclusão social, como as relativas aos processos de acesso à terra e de regularização fundiária, especialmente no espaço urbano.

Por último, deve-se destacar que a máquina estatal tem-se revelado impotente e incapaz de, no plano concreto, salvo por força de pressões populares, assimilar as novas diretrizes constitucionais e de enfrentar a crise. Postura negativa que se agrava diante da dificuldade de o poder público romper com a lógica de atuação estruturada ao longo de décadas, e, assim, de nela investir no sentido de sua modernização e da mudança comportamental de seus integrantes.

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