Poesias

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Sou a Pedra redonda
Zoiúda
Que vigia sem parar os arredores.


Sou o Pico do Itambé
Encoberto de nuvens
Que se esgarçam ao primeiro sol.


Sou a Serra do Cipó
De sinuosas curvas
Perdidas entre nós
Cegos e
Vendados mistérios


Sou a Lapa da Boa Vista
Que soluça lágrima seca
Em tardes mornas de sol.


Sou o condado virgem
No recato de seus medos.


Sou o Quatro vinténs
Que corre para o Lucas
Em curso lento e choroso.


Sou o Morro Centenário
Que deita a cabeça no colo de Deus
Pedindo um cafuné
Na rara cabeleira.


Sou os veeiros depauperados
De outras riquezas encobertas.


Sou a Fonte do Vigário
Gotejando esquecida
Pelos cantos do Chaveco


Sou o coreto em destroços
Sufocando a sinfonia da vida.


Sou o palco do mundo
À espera da melhor peça.


Sou as ruas de Baixo e de Cima
E os becos sem saída.


Sou a Ladeira do Pelourinho
Batizada pelo grito escravo
Que retumba na senzala do tempo.


Sou o Paredão da Matriz
Na contenção da encosta
Da fé primeira.


Sou a palmeira gigante e altiva
Que ameaça o céu
Sem fazer requebros
Quase inerte sobre raízes profundas.


Sou o casario de linhagem nobre
Contrariando a lei da gravidade.


Sou o cargueirinho alienado
Que desce a rua
Atravessa a festa
O discurso
E estruma no chão
Em pose para a posteridade.


Sou a Capela de São Miguel
Que badala a morte
Ao dar sinal de vida.


Sou o prédio da Cadeia
E o pensamento livre
Que escapole inteiro
Ou em fragmentos
Pelas grades
E vai sem peia.


Sou Igreja Santa Rita
Em esplêndida janela
Espiando da colina
A cidade baixa
Ressuscitar das brumas.


Sou a gente
Que pede licença
Para pisar este chão
Para respirar estes ares
Para poetar sob este céu.


De onde vim
Só pra ser uma flor exótica
Entre rochas e colinas
Da minha terra.

Alto
Chamas
Cenas
De
Luz
Arauto
Do alto
Acenas
Chamas
Rasgando essas trevas
Espalhando o sopro
Por tua criação

Emergente
Emerge
Entre
De mim
Emergente
Menos ente
Mais gente
Emerge

Fulgente
‘’ Full’’...
Da Mortalha de um tempo
Do assombro do vazio
Nova face
Nova mulher
Na aventura do recomeço
Mias gente
Só.

De
Vagar
Cansado
Passo a passo
Lenta
Mente...
Com
Passadas
Toadas
Do Caminhar...

Eu
Ca
Li
Pito
Cheira
Bom
Quase
Bálsamo
De mim.

Sensual
Sem
Idade
Sensualidade
Não
Caduca.

Serro
Com Frio
De alma acalorada
Com Sol
E de sombra remansosa
Serro
Com chuva
E de sombra remansosa
Serro
Com chuva
E de ribeiros secos
Serro
Sem erro
Concerto de Minas
Velho Serro
Sem idade
Que teus serros
Vigiarão por nós
Serro
Com teus morros calvos
Sem tua farta cabeleira
De fala eloqüente
E memória silenciosa
Sem o tumulto do progresso

GOVERNANÇA METROPOLITANA EM MINAS GERAIS E IMPLEMENTAÇÃO DO NOVO ARRANJO INSTITUCIONAL DE GESTÃO

*Maria Coeli Simões Pires*
Mestre e Doutora em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Professora Adjunta da Faculdade de Direito da UFMG e Secretária Adjunta de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana de Minas Gerais

Sumário
1 – INTRODUÇÃO2 – ORIGEM DA URBANIZAÇÃO
3 – O PROCESSO DE METROPOLIZAÇÃO NO BRASIL E OS REFLEXOS DO FENÔMENO URBANO GLOBAL NAS REGIÕES METROPOLITANAS
4 – O DESAFIO COMUM DA GESTÃO DAS METRÓPOLES E O BINÔMIO FRAGMENTAÇÃO- GLOBALIZAÇÃO: GRA V AMES DA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA
5 GOVERNANÇA METROPOLITANA
5.1 CONCEITO
7 5.2 ARRANJOS DE PODER
9 5.3 OBJETO
5.3.1 A ordem urbanística territorial
5.3.2 Políticas públicas
6 – CONSCIÊNCIA METROPOLIT ANA
7 – CRISE DA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE – RMBH. NOVA ESTRATÉGIA DE GOVERNANÇA. NOVO MARCO LEGAL E ARRANJO INSTITUCIONAL DE GESTÃO
8 – MODELOS DE GOVERNANÇA. GOVERNANÇA PÚBLICA FEDERATIVA COMPARTILHADA
9 – FATORES QUE DESAFIAM A GOVERNANÇA METROPOLITANA
10 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Resumo do artigo
O artigo discorre sobre o fenômeno urbano no Brasil, apresentando os seus traços salientes em relação ao registrado em outros países e explica a crise das metrópoles brasileiras como resultado do padrão interno de urbanização segregador e predatório que caracteriza o chamado urbanismo de risco.
No contexto da crise das metrópoles, detém-se na análise da Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH –, apontando os fatores de agravamento do seu quadro, com ênfase nos aspectos de gestão, notadamente naqueles relativos aos arranjos institucionais para atuação no território, e na estratégia absenteísta da União e dos Estados, no tocante às responsabilidades em um projeto emancipador de metrópole.
Aponta a nova estratégia do Estado de Minas Gerais na perspectiva de construção coletiva e democrática de uma gestão compartilhada entre os atores governamentais, societais e da iniciativa privada, a partir de novo marco constitucional legal, que define um modelo misto de governança, sustentado em mecanismos verticais e horizontais, vocacionados a preservar as autonomias federativas e as dos demais núcleos de poder e, ao mesmo tempo, garantir a presença ativa do Estado na regulação da ordem territorial urbanística e na provisão de políticas públicas.
Palavras-chave:
Região metropolitana(RMBH), Governança metropolitana, Núcleos de poder, Consciência metropolitana, Políticas públicas.

## 1 – Introdução
A reflexão sobre o tema “Governança metropolitana em Minas Gerais e implementação do arranjo institucional de gestão”, definido pelas Leis Complementares no 88 e no 89, ambas de janeiro de 2006, só pode ser desenvolvida a partir da percepção do fenômeno urbano moderno, do cenário em que se insere a metrópole e dos desafios da gestão das cidades.
Em primeiras pinceladas, serão trazidas à baila noções básicas assentadas na literatura corrente, no tocante ao processo de metropolização no Brasil e à formação do substrato fático das regiões metropolitanas, explicitando-se a moderna compreensão da metrópole como expressão espacial concreta do fenômeno global que reproduz no urbano a lógica da sociedade hipercomplexa, conforme salienta Ana Fani Alessandre Carlos.2
Na seqüência, será colocada em foco a gestão como desafio comum às metrópoles mundiais, mais agravado no Brasil. Já marcada pela conotação de desafio, a gestão metropolitana será, entao, apropriada pelo termo “governança”, vinculado a conceito e substrato filosófico próprios, tomando-se a metrópole como locus de articulação; e a ordem territorial e as políticas públicas, como objeto da governança. Na perspectiva de compreensão da estrutura lógica da governança, proceder- se-á à identificação dos diversos núcleos de poder, públicos ou privados, no espaço metropolitano.
Feitas as considerações sobre governança, serão, entao, analisadas a Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH – e a estratégia de governança adotada pelo Estado, passando-se pela alteração do marco constitucional legal e pela identificação dos modelos de gestão compatíveis com a nova ordem, para o enquadramento do novo arranjo de gestão.
Por fim, serão apontados os fatores que desafiam a governança metropolitana, para que se possa vislumbrar a superação das dificuldades pela lógica do consenso das governanças públicas parciais, pela regulação estatal das governanças privadas legítimas e pela neutralização das governanças ilegítimas ou paralelas, que não passam de formas expressivas da negativa da verdadeira governança.

## 2 – Origem da urbanização
Sem propósito de digressão mais detida na busca das origens das cidades, pode-se assinalar que o marco zero das cidades seria o de centralização do poder e o da estratégia de defesa contra inimigos, ainda na Antigüidade, com o início de um processo complexo, no qual a cidade evolui de sua concepção política, passando pela estruturação comercial, com uma nítida inflexão do agrário para o urbano, e, depois, pela industrial, até ganhar a feição pós-industrial, com a completa sujeição do agrário ao urbano, revelados pela concentração urbana, pelo êxodo rural e pela extensão do tecido urbano. Assim, a cidade vai, ao longo do tempo, acumulando funções, modificando sua morfologia e assimilando em sua geografia as marcas de seu tempo, a lógica dos processos produtivos e a natureza da própria sociedade que a constrói. Sobre esse processo, os estudos de Igor Sporch da Costa são esclarecedores. O autor adota como marco teórico a obra Revolução urbana, de Henri Lefebvre, em especial a concepção do chamado eixo do processo de urbanização, no qual o
2 CARLOS, Ana Fani Alessandre. A natureza do espaço fragmentado. In: SANTOS, M. Souza, M. A. A., SILVEIRA, M. L. (dir.). Território, globalização e fragmentação. São Paulo: Ed. Hucitec – ANPUR, 1994, p. 191- 197.

sociólogo e filósofo francês, grande pensador da urbanização do século XX, considera a história humana a partir da cidade.3

## 3 – O processo de metropolização no Brasil e os reflexos do fenômeno urbano global nas regiões metropolitanas
No Brasil, é comum associar-se o processo de urbanização ao ciclo industrial, o que tem sido objeto de contestação por parte de especialistas, certos de que a simplificação desconsidera a evolução do fenômeno urbano em sua extensão, de modo que, internamente, aos poucos se desfaz esse mito causal da industrialização-urbanização.
Não obstante isso, deve-se enfatizar a preponderância do fator industrialização na mudança drástica e rápida do perfil de urbanização. Ermínia Maricato leciona que “O processo de urbanização/industrialização se consolida e se aprofunda a partir de 1930, quando os interesses urbanos industriais conquistam a hegemonia na orientação da política econômica sem, entretanto, romper com relações arcaicas de mando baseado na propriedade fundiária”, e, portanto, sem rupturas com a ordem social. Sob influência desse fator, muitas cidades brasileiras passaram a representar alternativa de melhora das precárias condições da população rural e assim atraíram gigantesco contingente humano, provocando a escalada do fenômeno urbano, com a elevação da taxa da população citadina, de 18,8%, em 1940, para 82%, em 2000, o que representou um acréscimo de 125 milhões de pessoas no espaço de apenas 60 anos. No curso desse processo de urbanização, as cidades perderam características de unidades socioeconômicas fechadas em seus limites territoriais, para ganhar um novo dinamismo em relação a outros núcleos, na perspectiva de consolidação do crescimento econômico e de ampliação da base produtiva e de melhora da qualidade de vida.4.
Nessa linha, o intercâmbio entre os núcleos urbanos, orientado pela necessidade de acesso dos cidadãos a bens, rendas e serviços, acarreta o adensamento de centros polarizadores e a concorrência funcional de áreas auxiliares, na dinâmica da metropolização. Disso resulta a conurbação, de caráter transmunicipal, ou, ainda que ausente tal fator, a concentração urbana dinâmica e integrada a Municípios em relação de interdependência. Ambas – conurbação e concentração – constituem o substrato fático das regiões metropolitanas.5
O fenômeno no Brasil revela-se explicitamente pelos números que apontam, em 2000, aproximadamente 30% da população urbana distribuída em apenas nove metrópoles e pelo quadro de mazelas, consoante descrição feita por Ermínia Maricato:
Em 1940 as cidades pareciam ser a promessa de superação do Brasil arcaico rumo à modernização e emancipação política e econômica. […] O desenrolar dos acontecimentos se encarregou de contrariar a utopia da emancipação social e da modernização para todos. No final do século a imagem das grandes cidades está marcada por favelas, poluição do ar e das águas, enchentes, desmoronamentos, crianças abandonadas, violência, epidemias. A pobreza urbana é maior do que a média da pobreza brasileira e está concentrada nas Regiões Metropolitanas. Dos pobres brasileiros, 33% estão nas “ricas” metrópoles do sudeste. Concentram-se também nas regiões metropolitanas 80% da população moradora
3 COSTA, Igor Sporch da. A cidade e o Direito Urbanístico: o núcleo de concretização do princípio da função social do imóvel urbano 2006. Dissertação (Mestrado em Direito, Área de concentração Direito Administrativo) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte: p. 21-35; LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: UFMG, 1999.
4 MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. São Paulo: Vozes, 2001.
5 FERNANDES JR., Edésio. Gestão Metropolitana. Cadernos da Escola do Legislativo. V. 7, n. 12, jan.jun. Belo Horizonte, 2004, p. 65-99.

das favelas, conforme estudos de Suzana Pasternak. Em 9 metrópoles brasileiras moram cerca de 55 milhões de pessoas. É mais do que a população de vários países latino- americanos ou europeus, juntos. 6
Ocorre que, além de retratar a dinâmica interna do processo econômico acelerado e as suas disfunções, a metrópole, inserida num macrocenário, reflete um fenômeno do mundo moderno pelo qual o espaço urbano se reproduz segundo os moldes de constituição da sociedade global, impactada pela tecnologia da informação e pela generalização do mundo-mercadoria, conforme ensina Ana Fani Alessandre Carlos.7
Nesse processo de metropolização, segundo a autora, “a globalização e a fragmentação ocorrem tanto no plano do indivíduo quanto no espaço”. Com efeito, a globalização massifica, rompe limites, quebra identidade e, ao mesmo tempo, traz a fragmentação como conseqüência reativa. Os condomínios fechados são exemplos dessa reação. No indivíduo, a fragmentação revela-se pela diluição dos laços de família, pela ruptura de vínculos do trabalho, do lazer e do conjunto de referências identitárias. Em relação ao espaço, “a fragmentação resulta […] da diluição das ligações orgânicas entre os pedaços da cidade […] e da repetição das desigualdades em diferentes escalas intra-urbanas”. 8
A necessidade de individualização, de diferenciação e de busca de identidade – mas não apenas isso – reflete-se na espacialização das atividades na cidade, na lógica fundiária, na valorização do solo urbano, na multiplicação de centros urbanos e nas hierarquias socioespaciais. Desse modo, o espaço urbano se constitui fragmentado do ponto de vista social, político e econômico. Em outros termos, a fragmentação é hoje a ordem configuradora dos territórios urbanos e implica uma nova abordagem jurídica dos domínios público e privado e da lógica das relações no âmbito desse espaço. Por isso mesmo, a ordem territorial urbana é também um importante pressuposto e um grande desafio para a governança.9
A dificuldade é potencializada em relação à metrópole, já que, como sede da gestão e da organização das estratégias que articulam os espaços, próximos ou remotos, e as decisões que impactam a vida urbana transmunicipal, a grande cidade reflete, de modo incisivo, a tensão permanente entre público e privado.

## 4 – O desafio comum da gestão das metrópoles e o binômio fragmentação-globalização: gravames da experiência brasileira
Nos maiores centros urbanos do Brasil, assim como ocorre com as grandes metrópoles do mundo – Berlim, Londres, Chicago e outras –, a gestão política, financeira, institucional e jurídica no âmbito desses espaços é o desafio-chave, como lembra Edésio Fernandes.10 É um desafio pautado
6 MARICATO, Ermínia. Dimensões da tragédia urbana. Edição da autora.
7 CARLOS, Ana Fani Alessandre. A natureza do espaço fragmentado. In: SANTOS, M. Souza, M. A. A., SILVEIRA, M. L. (Dir.). Território, globalização e fragmentação. São Paulo: Ed. Hucitec – ANPUR, 1994, p. 191- 197.
8 PRÊVOT-SCHAPIRA, Marie-France. “Amérique Latine: la ville fragmentée”. In: Esprit, Quand la ville se défait, n. 258, Paris, 1999, pp.128-144.
9 MCCARNEY, Patrícia L. Cities and Governance New Directions. In: Latin America, Asia and Africa. Toronto: University of Toronto Press,1996.
10 FERNANDES Jr., Edésio. Gestão Metropolitana. Cadernos da Escola do Legislativo. V. 7, n. 12, jan.jun., Belo Horizonte, 2004, p. 65-99.
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pelo tempo virtual e pelas exigências das relações da sociedade global e informado pelo dilema fragmentação-universalização.
Tal desafio revela-se mais grave internamente se se têm em conta as peculiaridades do fenômeno da metropolização no Brasil, com ênfase na rapidez do processo, fator determinante no padrão de qualidade das cidades brasileiras, em especial das metrópoles; o modelo de desenvolvimento insustentável e a nova pressão das transformações dos espaços urbanos em decorrência dos impactos da globalização e da reorganização da estrutura econômica produtiva, agora tendente à fragmentação; os altos custos sociais das estratégias de internacionalização da economia brasileira para os cidadãos e a lógica persistente de segregação espacial e social das cidades. Por fim, o modelo federativo, como recorrentemente explicitado por estudiosos, particulariza as dificuldades internas.
Enquanto a metropolização no mundo é fruto de dinâmicas em grande escala planejadas e de processos consolidados no tempo, que gravitam em torno de centros singulares, no Brasil, ela decorre de processos abruptos, intensos, desordenados, artificializados por medidas aleatórias ou pouco estudadas em suas potencialidades de impactos e imunes à regulação pública adequada, que redunda na formação de múltiplas cidades de risco.
No País, há uma pluralidade de centros conurbados, que retratam o modelo de desenvolvimento de base policêntrica e uma concentração populacional e de atividades econômicas em escala muito superior à de outras metrópoles do mundo, que alimenta a perversa competição por investimentos entre as cidades, descompromissada com a sustentabilidade.
Essa concentração e o esforço de inserção das metrópoles na dinâmica do mercado internacional tendem a intensificar a própria fragmentação e a produção insustentável das cidades, com a mercantilização do solo urbano e os impactos sobre a organização territorial e sobre as lógicas de apropriação dos espaços, dos recursos naturais e dos benefícios da urbanização.
Os impactos ocorrem também sobre padrões éticos, estéticos e culturais da sociedade. A expressão visível de tudo é o quadro explícito de pobreza social, segregação espacial, destruição da natureza, consumismo e violência urbana cada vez mais sofisticada, tudo a evidenciar o quão perverso é o padrão de crescimento.
A Federação trina, com o artificialismo dos arranjos de poder que a sustentam, com a partilha desequilibrada de recursos e responsabilidades, por outro lado, fragiliza as bases de uma ordem urbano-metropolitana e da instância jurídico-institucional correspondente. O modelo potencializa a tensão entre a autonomia municipal e o interesse metropolitano, entre poderes locais e estaduais, de forma muito mais grave do que em outros países.

## 5 Governança metropolitana

### 5.1 Conceito
A doutrina anglo-americana refere-se a governance ou governança para colocar o foco de atenção sobre o processo de governar, em contraposição à ênfase sobre estrutura, organização e governabilidade (performance de governo), para vislumbrá-la em contexto de uma esfera pública ampliada a partir da superação da dicotomia Estado-sociedade e da quebra do monopólio das elites político-administrativas, relativamente homogêneas e centralizadas. Assim concebida, a governança, consoante lição de Hunt, “[…] trespassa a distinção entre Estado e Sociedade civil; é de ser achada
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em ambos os lados, e não em apenas um deles, minando a equação do senso comum de governo como imposição externa ou vertical”.11
Nessa mesma perspectiva, governança, em sentido amplo, pode ser compreendida como conjunto de processos ou formatos de gestão, que, fundados na interação público-privada, tendem a assegurar a transparência na formulação e eficácia na implementação de políticas ou objetivos socialmente relevantes.12
Embora a concepção de governança já invoque uma conotação de legitimidade pela transparência e pela participação, convém enfatizar que nem toda governança no âmbito da experiência pública se estrutura pelas pautas da legitimidade, razão pela qual se busca identificar uma base de compreensão da governança pública legítima, coerente com o paradigma de democracia. A construção parece encontrar conforto na formulação teórica de Habermas, no modelo procedimental- discursivo de circulação do poder, segundo o qual a arquitetura da chamada esfera pública compreende um subsistema administrativo capaz de agir em nome do conjunto da sociedade e que é “especializado em decisão coletivamente obrigatória”. Subsistema que deve guardar coerência com as demandas aportadas pelos fluxos comunicativos, filtradas e sistematizadas na forma de opinião pública.13
Nessa esfera pública política ampliada, de dimensão discursiva, o Estado coloca-se ao centro, como forma de organização do sistema político, e a sociedade civil ocupa a periferia. Nesse espaço, centro e periferia encontram-se em permanente tensão, cabendo ao Estado, por meio de decisões, transmutar o poder comunicativo ou as opiniões públicas como resultado dos fluxos discursivos, em poder administrativo capaz de implementar soluções.14
A governança metropolitana é, pois, a arquitetura processual da gestão pública fundada na interação público estatal-público societal e público-privada, capaz de sustentar a organização das estratégias de articulação de espaços, de atores políticos, sociais e privados, de decisões, demandas e políticas de interesse comum da região.
Independentemente do modelo que assuma, uma governança pública metropolitana democrática pressupõe articulação intensa e transparente dos diversos atores e núcleos de poder, participação responsável dos interessados para a consecução da eficiência legítima no plano das políticas públicas e no tocante à ordem urbana e à integração de territórios, tudo na perspectiva de construção de uma rede de sustentação da ação pública, na acepção lata da expressão, a partir de matrizes cognitivas e normativas compartilhadas.
Patrícia Helena Massa Arzabe, discorrendo sobre a inovação no processo de governança, chama a atenção para dois pontos básicos: “a saber, a modificação no eixo da ação estatal, que deixa de ser apenas vertical, de cima para baixo, e a transformação da relação entre Estado e sociedade civil, não mais se podendo falar na dicotomia público-privado”. A mesma autora, tematizando governança, mostra o caráter prático de seu atrelamento à idéia de cobrança de resultados ou de prestação de contas (acountability) e ainda à noção de adequação das soluções às demandas ou problemas postos (responsiveness). Daí sua importância para o direcionamento das ações estatais.15
11 HUNT, Alan. Explorations in Law and Society. London – New York: Routledge, 1993, p. 306.
12 MCCARNEY, Patrícia L. Cities and Governance New Directions. In: Latin America, Asia and Africa. Toronto: University of Toronto Press, 1996.
13 HABERMAS, Jürgen. Três novos modelos normativos de democracia. Cadernos da Escola do Legislativo. V. 3, n. 3, jan.junho. Belo Horizonte, 1995, p. 105-122.
14 REPOLÊS, Maria Fernanda Salcêdo. Habermas e a desobediência civil. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 31-37.
15 ARZABE, Patrícia Helena Massa. Dimensão jurídica das políticas públicas. In: Políticas públicas – reflexões sobre o conceito jurídico. Org. Maria Paula Dallari Bucci. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 59.
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### 5.2 Arranjos de poder
No espaço metropolitano, podem ser identificados vários núcleos de poder, que devem ser considerados para a construção da governança, e que aqui são tratados como governanças parciais: o poder público – o municipal, o estadual e o federal; o mercado, no qual se encontram de forma expressiva os que produzem as cidades; e a sociedade civil.
Tendo-se em conta a forma do Estado brasileiro, o território metropolitano apresenta-se como locus especial de governança pública federativa. Tem-se, nessa modalidade, o exercício do poder como desempenho dos papéis e assunção de responsabilidade conforme a matriz constitucional, que define o condomínio de competências legislativas e executivas.
Sob a ótica privada, podem ser apontadas três vertentes da governança: a legítima, regulada pelo Estado; a legítima auto-regulada, cujo exemplo é aquela orientada pelos códigos do bem das favelas e de outros grupos excluídos, sendo correto afirmar que, em certas circunstâncias, ganha conotação pública; a paralela ilegítima, que se expressa como uma deturpação do processo, já que, paradoxalmente, só tem lugar quando efetivamente inexiste efetiva governança por parte das forças legítimas, razão pela qual deve ser neutralizada. Exemplos desta são os centros marginais de poder, como os do narcotráfico e os de privatização do público, como as organizações da corrupção.
A governança pública societal abrange parcerias com Oscips, ONGs e outras entidades da sociedade civil, além das atuações diversas da cidadania no âmbito das instâncias compartilhadas, dos fóruns e de outras institucionalidades que funcionam como canais de alimentação do sistema político-administrativo.
Fiel ao paradigma democrático, a governança deve ser compartilhada entre esfera pública governamental, esfera pública societal e o setor privado, o de mercado sob regulação estatal, como forças legítimas existentes no espaço metropolitano. Tem-se, entao, o tripé da governança.

### 5.3 Objeto
Os focos de atenção da governança devem estar voltados para a metrópole como um todo, como espaço territorial e comunidade, e para as políticas públicas.

#### 5.3.1 A ordem urbanística territorial
A governança metropolitana deve ter como foco principal a ordem urbanística territorial, o meio ambiente, as diversas atividades, públicas e privadas, sob o prisma da sustentabilidade regional integrada e da (re)construção do urbano como projeto emancipatório.
No quadro urbano das metrópoles brasileiras, a ênfase na ordem territorial justifica-se com maior razão, especialmente em face da gravidade dos resultados do urbanismo de risco, ou da “crise das grandes cidades, cada vez mais forçadas a mimetizarem a ordem capitalista e as suas conseqüências: a fragmentação, a hierarquização perversa, a ‘guetificação’, que tanto significam a redução e o amesquinhamento dos espaços públicos, quanto a privatização de espaços que demandam ser coletivamente apropriados.” 16
Nesse sentido, a gestão metropolitana no Brasil deve voltar-se de forma decisiva para o território no sentido da sua (re)ordenação, ocupação e utilização, na busca de equalização de oportunidades em face de demandas de acesso ao solo urbano e às funções sociais urbanas, à adequada prestação de serviços e à provisão de necessidades.
16 PAULA, João Antônio de. (Prefácio) Novas Periferias Metropolitanas – A expansão metropolitana em Belo Horizonte: dinâmica e especificidades no Eixo Sul. Coord. Heloísa Soares de Moura Costa. Belo Horizonte: C/ Arte, 2006.
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Tendo, pois, como objeto a ordem urbanística, a governança significa processo de planejamento urbano integrado, de construção de matrizes cognitivas e normativas compartilhadas, de intervenção ou de regulação da esfera privada, no tocante às dinâmicas que envolvem o solo urbano, por meio de arranjos democráticos capazes de sustentar a discursividade para a conciliação dos interesses presentes no território, pela lógica funcional da propriedade e da cidade. Pressupõe, por fim, governança dos meios para atingimento dos fins coletivos, sujeitos a controles de resultados e de adequação às demandas.

#### 5.3.2 Políticas públicas
A governança em relação às políticas públicas já é, por si, um desafio em razão da complexidade que elas apresentam em suas matrizes, concepções e arquitetura jurídica, especialmente no Brasil, em que a transição paradigmática do Estado, da democracia e do direito introduz mudanças sensíveis na abordagem das políticas públicas, até entao tomadas como dotações exclusivas do Estado e tratadas como concessões do poder público e, portanto, dissociadas do plano dos direitos subjetivos de seus destinatários. Assim, em um quadro de dívida social imensa, há de estar presente a advertência de Maria Paula Dallari Bucci17,segundo a qual “o desafio da democratização brasileira é inseparável da equalização de oportunidades sociais e da eliminação da situação de subumanidade em que se encontra quase um terço da sua população”.
A dificuldade ganha contornos mais graves quando se têm em vista a base territorial metropolitana, com suas centralidades e periferias e respectivas demandas em processo dinâmico e cambiante, e o paradoxo da concentração e exclusão que caracteriza as metrópoles e as projeta como espaço de conflitos.
Daí por que o tópico das políticas públicas no cenário metropolitano justificaria tratamento autônomo. Limitações relacionadas com o formato desta exposição, contudo, levam a uma abordagem de simplificação.
Nesse sentido, registra-se, a título de introdução da questão, que o tema “Políticas Públicas”, dos mais instigantes e intrigantes da agenda do sistema administrativo, do Direito público em múltiplas vertentes e de outras áreas afins do conhecimento, vem desafiando as matrizes das clássicas categorias jurídicas e, ao mesmo tempo, os limites de compreensão por visões parcializadas, demandando esforço em lógica interdisciplinar.
Não serão aqui trazidas a debate, porém, questões teóricas referentes ao tratamento das políticas como fenômeno jurídico, à dificuldade de assentamento de seu conceito e de sua natureza, aos processos estatais de planejamento, de alocação de recursos, de efetivação das ações que lhes correspondem e de técnicas avaliativas para a realimentação do seu ciclo, nem as relativas às vicissitudes do controle nessa seara, notadamente o jurisdicional e o de caráter social. Por isso mesmo, não serão discutidos os rumos do constitucionalismo contemporâneo no oferecimento de alternativas de enfrentamento do déficit de efetividade das políticas, como a aplicação de cláusulas diversas de interpretação na efetivação de direitos – reserva do possível, mínimo existencial, vedação de retrocesso social, compreensão constitucionalmente adequada dos direitos e das garantias fundamentais, entre outras.
Com o propósito pedagógico, e sem preocupação com a completa arquitetura jurídica da espécie, toma-se como ponto de partida a noção que identifica as políticas públicas com o conjunto de diretrizes e metas de ação e de prioridades alocativas do Estado. Têm-se em vista ações públicas, que se concretizam por meio de prestações positivas destinadas a titulares de direitos, de dotações coletivas de caráter indutivo, e de tomadas de decisão com repercussão na esfera dos direitos
17 BUCCI, Maria Paula Dallari. (Org.) Políticas Públicas – reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p.10.
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individuais, sociais e transgeracionais e no desenvolvimento do Estado e da sociedade, sob o aspecto da integridade.
Anota-se, também, de forma sintética, pela relação com os objetivos do tema central, a importância dada ao tema das políticas públicas, no tocante ao seu tratamento no bojo de processos jurídico-discursivos de circulação de poder, com o apelo permanente de legitimidade por meio da participação direta ou indireta de todos os interessados, e à tensão entre garantia de direitos e seu financiamento estatal.
O foco da atenção dirige-se, assim, para o desafio que se apresenta ao Estado-membro de desincumbir-se de suas competências constitucionais balizadas pelas funções públicas de interesse comum, para o provimento de políticas públicas de caráter metropolitano, segundo o norte do interesse assim rotulado, com um leque significativo de possibilidades setoriais.
Sabe-se que a gestão metropolitana se orienta pela idéia-força do interesse metropolitano e pela pauta das chamadas funções públicas comuns traduzidas em serviços, prestações diversas, atuação regulatória, em relação a variadas atividades, entre outros desdobramentos do poder-dever do Estado no seu mister, que deve ser compartilhado.
Como os territórios metropolitanos concentram as riquezas e igualmente os problemas em escala, a provisão de políticas públicas é marcada por um embate permanente entre interessados e provedores. Por isso mesmo, há de se estabelecer a governança das demandas por políticas sociais, por meio de planejamento, monitoramento dos fatores de pressão, informações de base territorial, qualificação da base cognitiva, que deve ser compartilhada com a sociedade para garantia de fluxos comunicacionais. Tais fluxos devem ser capazes de levar à formação de opinião pública coerente com a realidade, de subsidiar a espacialização do orçamento, a intersetorialidade das políticas, a construção de índices e a definição de fatores de avaliação das diversas ações em face dos objetivos consensados.
Nesse sentido, a governança deve, enfaticamente, reconciliar a fragmentação institucional – da própria abordagem das políticas públicas do Estado – com a territorialidade metropolitana, com seus desafios urbanos, ambientais e sociais e, ao mesmo tempo, buscar sinergia para a consecução dos objetivos comuns.
Especialmente em um quadro administrativo de restrições da capacidade de financiamento, as políticas implicitamente travam competição por dotações orçamentárias. Daí a necessidade de se dispensar cuidado à explicitação de critérios alocativos de recursos, como condição para qualificar a discursividade política, administrativa e social em torno da disputa entre as demandas setoriais. Nesse contexto, as decisões alocativas são dramáticas, razão pela qual devem ser compartilhadas, de modo a se revestirem de legitimidade. Isso sugere também a importância de que a estratégia participativa incorpore a discussão da responsabilidade estendida.18
Invoca-se, pois, no embate em torno das políticas públicas uma participação da sociedade civil que supere o patamar da discussão e possa integrar o poder societal no plano de decisões, no qual a sociedade civil seja capaz de fazer escolhas, estabelecer prioridades e compartilhar os riscos e os ônus das definições ou das soluções consensadas.
Assim, uma governança metropolitana juridicamente embasada, legítima e democraticamente construída e estrategicamente eficaz pressupõe processos lógicos formais de leitura e desenvolvimento das matrizes constitucionais, de poderes, de competências e papéis dos entes federativos. Prevê, sobretudo, a abertura para a aglutinação de todas as forças legítimas na
18 PINTO, Élida Grazziane. Controle da administração do endividamento público. 2006. Tese. (Doutorado em Direito, Área de concentração Direito Administrativo – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 377-381.
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perspectiva emancipatória da cidadania, da coordenação das políticas públicas, da eficiência prestacional e da humanização do desenvolvimento das cidades, garantidos e alimentados os fluxos comunicacionais em todo o ciclo de gestão e o compartilhamento dos ônus dos processos decisórios, quanto aos resultados e à adequação das soluções.
Conforme lembra Arzabe, “Fica evidente, deste modo, que a perspectiva da governança surge como essencial para o desenvolvimento e implementação de toda espécie de políticas públicas, e particularmente das políticas de efetivação de direitos sociais, em especial porque também abrange as noções de accountability e de responsiveness”.19

## 6 – Consciência metropolitana
A governança compartilhada e a discursividade relacionam-se com a construção de uma consciência metropolitana. No que diz respeito à identidade espacial, uma nova concepção de pertencimento territorial se apresenta, com as redes das cidades contribuindo para a formação de novas identidades e territorialidades.20 As mobilidades virtual e real, somadas à busca de qualidade de vida urbana e de moradia, ampliam os territórios de relações do homem e suas possibilidades de identificação no espaço.21
Os mineiros, de modo especial, resistem a esse processo. Isso se explica pelo fato de que, mais do que outros, eles alimentam um sentimento de pertinência ao lugar em ótica mais reducionista. Estão presos à terra natal, aos espaços da infância e da adolescência, aos ambientes do cotidiano – ao bairro, à rua, ao quarteirão, às esquinas.
Certo é que, não obstante esse traço conservador, da relação permanente dos indivíduos com o espaço regional, vai surgindo uma identidade metropolitana em Minas Gerais. Isso porque, pelos sentidos, pela convivência em sociedade e pelas relações com o ambiente físico, o indivíduo apropria-se do espaço, identificando-o como seu, atribuindo-lhe, por meio do uso ou da percepção de seu papel funcional, um significado.
Sob esse aspecto, os diversos territórios que compõem a região metropolitana devem ser considerados como referência dessa identidade, mesmo porque o cidadão metropolitano é, por conceito, o que não conhece fronteiras intermunicipais e que estabelece no seu cotidiano intensas trocas afetivas, culturais, econômicas e sociais com os diversos lugares no espaço da metrópole. Sob outro prisma, é o cidadão que não sobrevive sem o auxílio das diversas funcionalidades urbanas exercidas pelos núcleos interdependentes.
Deve-se, no entanto, enfatizar que, para além dessa nova consciência de cidadania e identidade metropolitana, sob o aspecto individual do auto-reconhecimento no espaço fragmentado e global da metrópole, vislumbra-se a projeção da cidadania metropolitana ativa, que busca organizar- se nas diversas vertentes da sociedade civil e compartilhar governança e responsabilidades.
19 ARZABE, Patrícia Helena Massa. Dimensão Jurídica das Políticas Públicas. In: Políticas públicas – reflexões sobre o conceito jurídico. (Org.). Maria Paula Dallari Bucci. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.
20 DUPUY, Gabriel. L’urbanisme des réseaux, théories et méthodes. Paris: Armand Colin Éditeurs, 1991, 198 p.
21 MADORÉ, François. Ségrégation sociale et habitat. Rennes, Presses Universitaires de Rennes, 2004.
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## 7 – Crise da Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH. Nova estratégia de governança. Novo marco legal e arranjo institucional de gestão
A Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), pano de fundo das considerações até aqui desenvolvidas, é agora tomada como objeto das reflexões a seguir, que se voltam para a análise da nova estratégia de governança para a metrópole e de como ela se apresenta no novo marco legal.
A região metropolitana, institucionalizada em 1973 por lei complementar federal, teve sua gestão estruturada em bases centralizadoras. Experimentou seu auge no final dos anos 70 e início da década de 80 e, já no final desta, sob influência da Constituição da República de 1988, foi ainda mais esvaziada. O modelo institucional adotado pelo constituinte mineiro refletiu tendência de enfraquecimento da posição do Estado em relação à gestão metropolitana. Isso se deu em inteira coerência com a estratégia municipalista de fortalecimento da autonomia municipal.
Na prática, a gestão metropolitana foi absurdamente negligenciada: a União afastou-se por completo do cenário. O Estado, por sua vez, não exerceu o seu papel na gestão de funções públicas de interesse comum, e os problemas foram deixados à autonomia dos Municípios, sem que eles fossem capazes de superar a perspectiva local e implementar soluções de cooperação. Em verdade, houve certa interdição ao debate da questão metropolitana, especialmente em razão da tensão em face dos resquícios da matriz autoritária retratada em arranjos unilaterais do Estado. Dessa forma, o tema foi olvidado na pauta oficial e nos debates da sociedade civil e do setor privado, com ressalva para algum espaço de discussão no âmbito das academias.
O agravamento do quadro metropolitano no contexto do Estado, associado ao diagnóstico de baixa inserção da RMBH nos planos nacional e internacional, levou o governo do Estado a estabelecer clara estratégia de governança metropolitana. A Assembléia Legislativa, com a participação do governo do Estado, relançou, em um grande seminário legislativo, realizado em 2003, o tema das regiões metropolitanas, com o objetivo de discutir o seu modelo de gestão.
Em 2006, definiu-se novo marco legal para a RMBH por meio das Leis Complementares nos 88, de 2006, 89, de 2006, e 90, também de 2006. Antecipando-se à implementação dos novos arranjos institucionais, o Estado criou o grupo de governança metropolitana, cujo objetivo é coordenar as ações estaduais imediatas no território metropolitano e estabelecer a intersetorialidade das políticas públicas.
Em agosto de 2007, no âmbito da I Conferência Metropolitana da RMBH, deu-se a implementação formal dos novos instrumentos de gestão. Em verdade, mais que um lançamento formal, selou-se, na oportunidade, um pacto para a construção de uma governança compartilhada, que pudesse ultrapassar as perspectivas de governo e que fosse, portanto, duradoura e legítima.

## 8 – Modelos de governança. Governança pública federativa compartilhada
A realidade dos complexos geoeconômicos e do quadro social das regiões metropolitanas por si só impõe fortes condicionamentos à estruturação da governança desses territórios especiais.
Esse constrangimento, contudo, é atenuado nos Estados unitários, pois o grau menor de autonomia dos governos locais nesses Estados facilita a adequação do Direito à ordem política, ao fenômeno metropolitano e, por extensão, favorece as estratégias de governança.
Nos Estados Federados, cujo atributo é exatamente a autonomia dos entes subnacionais, o enfrentamento da questão metropolitana está sujeito a uma tensão permanente entre os limites dos campos autonômicos dos entes que atuam no território metropolitano.
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Especialmente no Brasil, em razão das peculiaridades do modelo de Estado, a formação de regiões metropolitanas à revelia da tradicional divisão político-institucional estruturada sobre a base das autonomias federativas projeta a aludida tensão e a potencializa na relação interesse local e interesse metropolitano, em virtude da exacerbação da defesa municipalista.
Normalmente, os Estados têm tratado o fenômeno da metropolização, valendo-se de dois modelos institucionais básicos. Essas soluções estruturais são as horizontais ou voluntárias e as verticais ou compulsórias, na lição do Professor Sérgio Azevedo.22
A solução horizontal se refere ao formato em que os governos locais livremente se associam para a organização da gestão metropolitana. Internamente, sustenta-se no art. 241 da Constituição da República, que prevê a gestão associada de serviços públicos e a constituição de consórcios públicos com essa finalidade. O modelo de São Paulo exemplifica a alternativa.
Já a solução vertical é aquela em que os Municípios são organizados por uma instância mais abrangente para a constituição de uma unidade regional não autônoma. A Constituição da República incorporou esse modelo no art. 25, § 3o, que atribuiu aos Estados a competência para instituir regiões metropolitanas, para integrar funções públicas de interesse comum. Vale dizer: o arranjo é compulsório, à medida que os Municípios ingressam na região por definição do legislador estadual.
Nos anos 70, o governo militar adotou o modelo compulsório de regiões metropolitanas. Esse modelo deixou poucas heranças, mas certamente uma das principais foi o estigma em relação ao modelo vertical, que foi associado à índole autoritária e centralizadora.
Na ordem constitucional de 1988, as apostas se voltaram para o formato horizontal. Esperava-se que os Municípios buscassem voluntariamente a cooperação para o enfrentamento da questão metropolitana. Não obstante as raras experiências isoladas muito positivas – como a do ABC paulista –, constata-se que formas institucionais alternativas para a gestão metropolitana ainda não se consolidaram.
Em Minas Gerais, o agravamento dos problemas sociais e infra-estruturais, decorrentes em grande parte da desarticulação institucional da RMBH, foi um dos fatores preponderantes para que se legitimasse, a partir de 2003, a retomada da participação estadual na governança metropolitana. Não nos moldes da década de 70 – embora se tenha a expectativa de que egressos do extinto Plambel possam colaborar no resgate do planejamento metropolitano em Minas e no fortalecimento da estratégia regional –, pois a expectativa geral dos atores gira em torno da chamada gestão compartilhada. Minas adotou um modelo híbrido de gestão metropolitana, no qual convivem lógicas verticais e horizontais de governança.
Nesse sentido, diferentes soluções poderão ser adotadas para o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, desde consórcios públicos até a gestão direta pela administração estadual. Buscou-se, com isso, a construção de uma gestão metropolitana democrática e participativa, mas muitos fatores pressionam essa governança.

## 9 – Fatores que desafiam a governança metropolitana
Na linha desses constrangimentos e em caráter meramente indicativo, apontam-se os seguintes fatores: o dilema globalização e fragmentação social e espacial – ao mesmo tempo em que as pessoas estão vinculadas à localidade, encontram-se também ligadas ao mundo, como lembra Boaventura Santos; a pressão do tempo virtual e da dinâmica relacional dos centros urbanos em
22 AZEVEDO, Sérgio de, GUIA, Virgínia Rennó dos Mares. Atores e formato institucional: a Assembléia Metropolitana de Belo Horizonte. Belo Horizonte: edição dos autores, 2006.
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função desse novo tempo, esse tempo que tem pressa, que demanda novos perfis de gestores; a inexistência de entidade regional intermediária com capacidade política, solução que não se defende nesta apresentação; a inerente tensão entre o interesse metropolitano e o interesse local – a tensão parece conatural ao arranjo metropolitano; a resistência à estratégia de gestão metropolitana, pela sua origem no autoritarismo; a competição em contraposição à lógica colaborativa; a frágil construção de legitimidade na equação de poder, em relação aos processos decisórios: se há tantos centros de poder, como o público governamental, o da sociedade organizada, o do mercado, é necessário que os respectivos atores legitimem não apenas o arranjo institucional, mas que o apropriem na prática da governança; a insipiente consciência metropolitana – deve-se enfatizar que o localismo ainda exerce sobre o cidadão grande fetiche, o que o impede, não raro, de assumir posturas responsáveis em face de questões metropolitana; o estágio da participação. Há significativa evolução, sobretudo em Minas, relativamente à participação dos cidadãos, dos movimentos sociais e dos diversos segmentos, tanto do mercado quanto da sociedade civil. Espera-se, porém, novo patamar dessa participação, com o objetivo de concertar decisões e assumir responsabilidades nos espaços de governança e de potencializar ainda mais os arranjos colaborativos. Há ainda de se levar em consideração os conflitos e os confrontos decorrentes da exclusão e da concorrência da governança ilegítima.

## 10 – Considerações finais
Sintetizando os desafios cruciais, conclui-se que o grande apelo é por uma consciência metropolitana e por uma governança verdadeiramente democrática, na qual os atores governamentais, sem negligenciar seus papéis, sejam capazes de articular todos os núcleos legítimos.
Não resolve o caos urbano a ação isolada do setor governamental. Igualmente não resolve o caos a governança privada dos condomínios de luxo, dos prisioneiros do medo nem a de outros núcleos privados de poder legítimo. Não resolve o caos a ação da sociedade nem a de outros núcleos parciais de poder legítimo da esfera pública. A governança há de ser compartilhada!
Não pode imperar a governança corporativa dos segmentos. Não pode prevalecer a governança do lucro dos que mercantilizam a cidade. Não pode imperar a governança do crime, instalada nos presídios, nos quartéis-generais de morros e favelas ou em centralidades de luxo e birôs sofisticados de empoderados.
O poder ilegítimo e paralelo precisa ser enfrentado e neutralizado.
A governança legítima, compartilhada, que tenha ao centro a cidadania emancipada, desafia o Estado – União, Estados e Municípios – no cumprimento do papel prestador, mediador e regulador, a sociedade e a própria iniciativa privada, em novo estágio de participação na busca de caminhos que possam assegurar vida digna para todos e alternativas de sustentabilidade coletiva, urbanística, ambiental, social e econômica no grande espaço metropolitano.
A população brasileira que construiu pela participação a utopia do Estado democrático, quando o espaço das ruas era concessão do regime, há de pautar pela cidadania ativa e pregnada pelos direitos a via emancipatória das cidades e das metrópoles, para ruptura com as linhas de segregação socioespacial e de interdição às funções sociais do espaço urbano.
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## Referências bibliográficas
1. ARZABE, Patrícia Helena Massa. Dimensão jurídica das políticas públicas. In: Políticas Públicas – reflexões sobre o conceito jurídico. Org. Maria Paula Dallari Bucci. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.
2. AZEVEDO, Sérgio de, GUIA, Virgínia Rennó dos Mares. Atores e formato institucional: a Assembléia Metropolitana de Belo Horizonte. Belo Horizonte: edição dos autores, 2006.
3. BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas Públicas – reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. p.10.
4. CARLOS, Ana Fani Alessandre. A natureza do espaço fragmentado. In: SANTOS, M. Souza, M. A. A., SILVEIRA, M. L. (dir.). Território, globalização e fragmentação. São Paulo: Ed. Hucitec – ANPUR, 1994, p. 191-197.
5. COSTA, Igor Sporch da. A cidade e o Direito Urbanístico: o núcleo de concretização do princípio da função social do imóvel urbano 2006. Dissertação (Mestrado em Direito, Área de concentração Direito Administrativo) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte: p. 21-35.
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7. FERNANDES JR., Edésio. Gestão Metropolitana. Cadernos da Escola do Legislativo. V. 7, n. 12, jan.jun. Belo Horizonte, 2004, p. 65-99.
8. HABERMAS, Jürgen. Três novos modelos normativos de democracia. Cadernos da Escola do Legislativo. V. 3, n. 3, jan.junho. Belo Horizonte, 1995, p.105-122.
9. HUNT, Alan. Explorations in law and society. London – New York: Routledge, 1993, p. 306.
10. LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: UFMG, 1999.
11. MADORE, François, Ségrégation sociale et habitat. Rennes, Press Universitaires de Rennes, 2004.
12. MARICATO, Ermínia. Brasil cidades: alternativas para a crise urbana. São Paulo: Vozes, 2001.
13. MARICATO, Ermínia. Dimensões da tragédia urbana. Edição da autora, 2001.
14. MCCARNEY, Patrícia L. Cities and Governance New Directions. In: Latin América, Ásia
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15. PAULA, João Antônio de. (Prefácio) Novas Periferias Metropolitanas – A expansão metropolitana em Belo Horizonte: dinâmica e especificidades no Eixo Sul. Coord. Heloísa Soares de Moura Costa. Belo Horizonte: C/ Arte, 2006.
16. PINTO, Élida Grazziane. Controle da administração do endividamento público. 2006. Tese. (Doutorado em Direito, Área de concentração Direito Administrativo – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 377-381).
17. REPOLÊS, Maria Fernanda Salcêdo. Habermas e a desobediência civil. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 31 e 37.
18. PRÊVOT-SCHAPIRA, Marie-France. “Amérique Latine, la ville fragmentée”. In: Esprit, Quand la ville se défait, n. 258, 1999.

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