Poesias

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Sou a Pedra redonda
Zoiúda
Que vigia sem parar os arredores.


Sou o Pico do Itambé
Encoberto de nuvens
Que se esgarçam ao primeiro sol.


Sou a Serra do Cipó
De sinuosas curvas
Perdidas entre nós
Cegos e
Vendados mistérios


Sou a Lapa da Boa Vista
Que soluça lágrima seca
Em tardes mornas de sol.


Sou o condado virgem
No recato de seus medos.


Sou o Quatro vinténs
Que corre para o Lucas
Em curso lento e choroso.


Sou o Morro Centenário
Que deita a cabeça no colo de Deus
Pedindo um cafuné
Na rara cabeleira.


Sou os veeiros depauperados
De outras riquezas encobertas.


Sou a Fonte do Vigário
Gotejando esquecida
Pelos cantos do Chaveco


Sou o coreto em destroços
Sufocando a sinfonia da vida.


Sou o palco do mundo
À espera da melhor peça.


Sou as ruas de Baixo e de Cima
E os becos sem saída.


Sou a Ladeira do Pelourinho
Batizada pelo grito escravo
Que retumba na senzala do tempo.


Sou o Paredão da Matriz
Na contenção da encosta
Da fé primeira.


Sou a palmeira gigante e altiva
Que ameaça o céu
Sem fazer requebros
Quase inerte sobre raízes profundas.


Sou o casario de linhagem nobre
Contrariando a lei da gravidade.


Sou o cargueirinho alienado
Que desce a rua
Atravessa a festa
O discurso
E estruma no chão
Em pose para a posteridade.


Sou a Capela de São Miguel
Que badala a morte
Ao dar sinal de vida.


Sou o prédio da Cadeia
E o pensamento livre
Que escapole inteiro
Ou em fragmentos
Pelas grades
E vai sem peia.


Sou Igreja Santa Rita
Em esplêndida janela
Espiando da colina
A cidade baixa
Ressuscitar das brumas.


Sou a gente
Que pede licença
Para pisar este chão
Para respirar estes ares
Para poetar sob este céu.


De onde vim
Só pra ser uma flor exótica
Entre rochas e colinas
Da minha terra.

Alto
Chamas
Cenas
De
Luz
Arauto
Do alto
Acenas
Chamas
Rasgando essas trevas
Espalhando o sopro
Por tua criação

Emergente
Emerge
Entre
De mim
Emergente
Menos ente
Mais gente
Emerge

Fulgente
‘’ Full’’...
Da Mortalha de um tempo
Do assombro do vazio
Nova face
Nova mulher
Na aventura do recomeço
Mias gente
Só.

De
Vagar
Cansado
Passo a passo
Lenta
Mente...
Com
Passadas
Toadas
Do Caminhar...

Eu
Ca
Li
Pito
Cheira
Bom
Quase
Bálsamo
De mim.

Sensual
Sem
Idade
Sensualidade
Não
Caduca.

Serro
Com Frio
De alma acalorada
Com Sol
E de sombra remansosa
Serro
Com chuva
E de sombra remansosa
Serro
Com chuva
E de ribeiros secos
Serro
Sem erro
Concerto de Minas
Velho Serro
Sem idade
Que teus serros
Vigiarão por nós
Serro
Com teus morros calvos
Sem tua farta cabeleira
De fala eloqüente
E memória silenciosa
Sem o tumulto do progresso

POLÍTICA PÚBLICA DE CULTURA: ALGUMAS CONDICIONANTES IDEOLÓGICAS, JURÍDICAS E ADMINISTRATIVAS E ALTERNATIVAS METODOLÓGICAS

MARIA COELI SIMÕES PIRES

Maria Coeli Simões Pires é Mestre em Direito Administrativo, Professora assistente de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da UFMG e Procuradora da Assembléia Legislativa de Minas Gerais.

SUMÁRIO

  1. Introdução.
  2. Novas condicionantes ideoló- gicas, jurídicas e administrativas das políticas públicas.
  3. Condicionantes específicas na área de cultura.
    1. Condicionantes decorrentes da nova ordem constitucional.
      1. Resenha das normas constitucionais balizadoras da política pública de cultura.
    2. Legislação infraconstitucional.
    3. Nova correlação de forças e papéis – definição de moderno paradigma de gestão da cultura .
      1. Papel do Estado.
      2. Papel do cidadão.
      3. Papel da sociedade.
      4. Papel da iniciativa privada.
    4. Modelo de desenvolvimento.
  4. Alternativas metodológicas para a área de cultura.
    1. Definição do objeto da política cultural: diagnóstico. Uniformidades. Exceções qualificadas. Avaliação compartilhada. Elemento urbano como referência.
    2. Mecanismos de instrumentalização da política de cultura e diretrizes de planejamento.
    3. Competência da União, dos Estados e do Distrito Federal e fragilidade da posição do Município.
    4. Esforço construtivo de novas soluções.

1. INTRODUÇÃO

No Brasil, tradicionalmente, a política pública de cultura esteve centralizada na esfera da União, encarregada da disciplina normativa e da execução das ações mais importantes nessa seara. A estrutura federal conformava simetricamente a burocracia do Estado-Membro, responsável pela implementação de alguns projetos em nível intermediário, por delegação. Além desse traço centralizador, de simetria e superposição de órgãos e entidades, que vulnerava a noção de federalismo, outras condicionantes limitavam a concepção e a implementação daquela política setorial.

O conceito de cultura balizava um apertado campo de interesse, em que se privilegiava o patrimônio cultural traduzido pelas manifestações

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eruditas e marcado pela valorização exacerbada de exemplares ou conjuntos arquitetônicos, em versão restrita e elitista, que, por sua vez, levava à negação da pluralidade de culturas. Só paulatinamente, o conceito evoluiu, para abranger as manifestações populares e a cultura de massa, ampliando-se, ao mesmo tempo, a visão do patrimônio, que passou a incluir os bens imateriais.

De outro lado, a ideologia estatizante deter- minava a filosofia paternalista da política de proteção, assinalada pela prevalência do sistema normativo estatal, da unilateralidade das ações públicas, pela conformação da cultura de acordo com as tendências do pensamento dominante dos decisores, pela manipulação, no processo artificial e excludente de construção da memória, mediante imposição de valores e representações, enfim, por um ideário preservacionista definido por grupos hegemônicos e sustentado pelo Estado por meio de doutrinas legitimadoras, visando à consolidação do Estado-Nação. Os rumos da política desenvolvida pelo SPHAN até a década de setenta, cen- trada nos valores do Brasil Colonial (barroco e bandeirismo), e, depois, na filosofia dos movimentos modernistas, corroboram essa afirmação.

Assim, prevaleceu a política centralizadora e unilateral, tendo o poder público como instru- mento quase singular de preservação, desde 1937, o instituto do tombamento, cuja utiliza- ção se dirigiu ao objeto delimitado e identificado segundo aquela ótica ideológica.

2. NOVAS CONDICIONANTES IDEOLÓGICAS, JURÍDICAS E ADMINISTRATIVAS DAS POLÍTICAS

PÚBLICAS

No plano político, o processo de redemocratização do País levou à construção de uma nova relação Estado-sociedade, cuja lógica passou a incorporar, sobretudo, o respeito à cidadania, a prevalência do pluralismo de convicções e crenças e a legitimidade dos grupos intermediários. Nesse contexto, intensificaram-se as discussões em torno do papel do Estado, do modelo federativo, da desmistificação do perfil da máquina pública, da necessidade de descen- tralização da concepção e da gestão de políticas públicas, e rompeu-se com o antagonismo à emergência e consolidação de núcleos orga- nizados da sociedade civil.

No plano jurídico, repercutiram as alterações ocorridas em sede política, com a positivação de novos valores e regras concertadas sob parâmetros de modernas experiências e novo

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clima de convivência. Instrumentalizaram-se direitos sociais, coletivos e difusos, por meio de mecanismos de garantia de sua efetividade.

A Constituição de 1988 traz avanços impor- tantes. Apreendendo as linhas do cenário nacional, acolhe as conquistas políticas e o pro- gresso empreendido pelo direito ordinário, além de consagrar novidades, e, mesmo sem uma perfeita interpretação das tendências mundiais verificadas a partir da Perestroika, de Gorbachev, e dos grandes programas de modernização (de Deng Xiaoping), apropria idéias relevantes. Altera a repartição de competências, fortalece o poder de intervenção estatal sobre a proprie- dade e dá densidade e conseqüência ao princí- pio da função social. No campo da administra- ção, porém, a Carta retrata uma errônea visão da burocracia estatal, de um corpo coerente, adaptado ao espaço a ele reservado nos dias atuais, em toda sua extensão, e dotado de auto- nomia orgânica e funcional. Uma máquina paci- ficada sob as luzes de nobilíssimos princípios e revitalizada de suas múltiplas escleroses pelas diretrizes de participação, de inspiração demo- crática, como se aquela estivesse infensa à crise geral de identidade do setor público e à crítica universal à gestão administrativa, em especial. Concebe formalmente uma identidade democrá- tica, mas mantém intocável a filosofia autoritária de resistência, de burocratismo, de formalismo; projeta uma imagem de administração mediadora, não obstante guarde resíduos de centralismo e de unilateralidade decisória do poder público.

A análise das resistências aos processos de mudança é feita de forma primorosa pela administrativista Professora Odete Medauar, cujas formulações, de leitura obrigatória para os estudiosos de políticas públicas, estão desenvolvidas em sua obra O Direito Adminis- trativo em Evolução, que tem como inspiração o direito italiano. Colhe-se de seu trabalho a seguinte síntese:

“A administração mantém-se no pas- sado, afetada pelo poder de inércia do condicionamento cultural, imobilizada, opondo resistência a mudanças. Parece que, estruturada no século XIX, conser- vando algumas práticas do absolutismo, até agora não se desvencilhou dos resí- duos dessas práticas, apesar da concep- ção de democracia, respeito aos direitos individuais e Estado de direito que deve- ria informar sua atividade. Diz-se, entao, que um dos grandes problemas da admi- nistração pública está na busca de identidade democrática”.

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3. CONDICIONANTES ESPECÍFICAS NA ÁREA DE CULTURA

3.1. C ONDICIONANTES DECORRENTES DA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL

Particularmente na seara da cultura, a Cons- tituição, apesar de conservar a primazia da União, atenua o traço centralizador de compe- tência no âmbito federal, pela repartição con- corrente e, com relação à concepção de con- teúdo, assimila soluções experimentadas, com sucesso, pelo direito luso, como o alargamento dos conceitos de cultura, de preservação, pres- supondo o entendimento de que se deve pre- servar a identidade de forma viva, dinâmica e abrangente, de modo que a cultura seja consu- mida em permanente processo de realimentação da memória.

Com efeito, no tocante às inovações que convergem para esse campo específico, deve- se frisar que a Carta Magna tonifica o conceito de cultura, ao agregar-lhe o caráter básico de direito social. Por sua vez, o direito à cultura, segundo os ditames constitucionais, traduz-se pela garantia de acesso do cidadão às fontes de cultura e aos processos de sua criação, seja para fruição dos benefícios, seja para interfe- rência como agente criador. A versão do referido conceito e o conteúdo do direito men- cionado devem delinear o contorno do papel do Estado, que se pode traduzir na obrigação de apoio ao desenvolvimento da produção, da divulgação e da circulação dos bens da cultura, como agente propulsor, mediador, responsável por prestações positivas, regulatórias ou limi- tativas, em processo democrático de afirmação da pluralidade cultural.

A Constituição da República, nos artigos 215 e 216, a par de flexibilizar a noção de cultura e de preservação, de alargar a abrangência do patrimônio cultural, para abrigar as manifesta- ções imaterializadas que testemunham culturas, mentalidades e vínculos, traça uma moldura qualitativa da política pública aludida por meio do arranjo dos seguintes princípios: diversidade sócio-cultural, acessibilidade, liberdade, parti- cipação da comunidade, pluralidade de formas de proteção e acautelamento, democratização dos benefícios, incentivo à produção e ao conhecimento de bens e valores culturais, con- tinuidade e unidade histórico-cultural do ambiente urbano. Estabelece de forma expressa a dimensão social do direito aos bens da cultura, em construção de extremo significado.

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A Constituição mineira de 1989, reprisando esses princípios, a eles acrescenta o da regio- nalização, dando realce, entretanto, à preocupa- ção com o desenvolvimento do sentimento de pertinência à comunidade mineira e com a iden- tidade cultural do Estado, respeitada a diversi- dade (arts. 2 o, XI e 207 da CE/MG).

Outros dispositivos constitucionais com- pletam a moldura do quadro de atuação estatal nessa seara, seja estabelecendo as competên- cias dos entes da Federação, seja tracejando diretrizes específicas para elaboração e execu- ção da política pública de cultura ou, ainda, indicando pontos de conexão com outras.

3.1.1. RESENHA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS BALIZADORAS DA POLÍTICA PÚBLICA DE CULTURA

Apresenta-se, a seguir, o conjunto de prin- cípios, diretrizes e limitações, com os respecti- vos dispositivos da Constituição da República de 1988 e da Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989, aplicáveis à matéria:

a) da Constituição da República

– Princípio da continuidade e da unidade histórico-cultural do ambiente urbano (art.18, §4o,CF).

– Competência executiva comum à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal para medidas de proteção (art.23, III, CF).

Município (art.30, IX, CF).

– Competência no âmbito da legislação con- corrente – União, Estados e Distrito Federal (art.24, VII, VIII e IX, CF).

– Competência suplementar dos Estados (art. 24,§§1oe2o,CF).

– Limitações ao poder de tributar (art. 150, V, CF).

– Compatibilidade dos planos (art. 165, § 4 o, CF). – Cultura como direito social

– Definição do papel do Estado

– Abrangência do patrimônio cultural (mate- rial e imaterial)

– Princípios:

Diversidade sócio-cultural

Acessibilidade

Liberdade

Participação da comunidade

Pluralidade de formas de proteção e acaute-

lamento

Incentivos à produção e ao conhecimento

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de bens e valores culturais (arts. 215 e 216).

– Princípios aplicáveis à Comunicação Social no tocante à cultura

Produção e programação das emissoras de rá- dio e televisão (art. 221, I, II, III);

b) da Constituição do Estado de Minas Gerais

– Objetivos do Estado – Desenvolvimento do sentimento de pertinência e da identidade cul- tural (art. 2 o, XI, CE).

– Competência no âmbito da legislação concorrente – Estado e União (art. 10, XV, g, h ei,CE).

– Competência executiva – Estado (art. 10, IV, CE) Comum Estado, União e Município (art. II, III, IV e V, CE).

– Objetivos dos Municípios (art. 166, V, CE).

– Competência legislativa dos Municípios,em caráter regulamentar (art. 171, II, c, CE).

– Conteúdo complementar de ensino fundamen- tal (art. 200, CE).

– Diretrizes da política de cultura (art. 207, CE). – Fundo ( art.207, § 2 o, CE).

– Patrimônio cultural – bens materiais e imate- riais (art. 208, CE).

– Instrumentos de proteção ao patrimônio cul- tural (art. 209, CE).

– Plano permanente (parágrafo único do art. 209, CE).

– Datas relevantes para a cultura (art. 210, CE). – Mecanismos de acesso da criança e do ado- lescente à cultura (art. 222, CE).

– Turismo como atividade econômica e forma de promoção social e cultural (art. 242, CE ).

– Política de turismo (art. 243, IV, VI, IX, CE).

– Assistência a Municípios na elaboração do plano-diretor (art. 245, § 1 o, II e III, e § 2 o, CE).

– Exploração compatível de recursos hídricos e minerais do Estado (art.251, CE).

– Hino oficial do Estado (art.5o – ADCT – CE). – Programa de emergência (art.83 – ADCT – CE).

3.2. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

Devem ser considerados, ainda, os coman- dos legais de nível infraconstitucional que dis- ciplinam institutos e instrumentalizam ações na área da cultura, registrando-se como documento mais importante, no âmbito da legislação fede-

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ral, o Decreto-Lei no 25, de 30.11.37, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Registrem-se nesse plano: Decreto- Lei no 3.866, de 29.11.41 – Dispõe sobre cance- lamento de tombamento; Lei n o 3.924, de 26.7.61 – Dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos; Lei no 4.717, de 29.11.65 (ação popular); Lei n o 7.347, de 24.7.85 (ação civil pú- blica); Decreto no 92.302, de 16.1.86 (Fundo de reconstituição de bens lesados); Lei no 8.029, de 12.4.90 (Extinção e dissolução de entida- dês da administração pública federal); Decreto no 99.492, de 30.9.90 – Constitui as fun- dações Instituto Brasileiro de Arte e Cultura – IBAC, Biblioteca Nacional – BN e a autarquia federal Instituto Brasileiro do Patrimônio Cul- tural – IBPC; Decreto no 99.602, de 13.10.90 – Aprova a estrutura regimental do Instituto Bra- sileiro do Patrimônio Cultural e dá outras provi- dências; Lei n o 8.113, de 12.12.90 – Dispõe sobre a natureza jurídica do Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural – IBPC e da Biblioteca Nacional.

Os Estados e Municípios dispõem de legis- lação própria sobre a matéria.

No caso de Minas Gerais, além do expandido tratamento constitucional, no plano infra- constitucional o tema é objeto de extensa legis- lação, na qual merece realce a Lei no 11.726, de 30 de dezembro de 1994, que, em 85 artigos, dispõe sobre a política cultural do Estado de Minas Gerais, pelo seu conteúdo, abrangência e, sobretudo, pelo processo participativo de sua elaboração.

Apresenta-se, em ordem cronológica, as principais referências da legislação do Estado de Minas Gerais, incluídas as de alguns atos normativos de caráter interno, que, em razão da inovação que traduzem, podem ser pesquisa- dos como precedentes:

Lei no 5.664, de 29 de abril de 1971 – Cria o Museu do Ferro;

Lei no 5.741, de 8 de julho de 1971 – Dispõe sobre a proteção especial de documentos, obras e locais de valor histórico e artístico, monumen- tos, paisagens naturais e jazidas arqueológicas, pelo Estado, e contém outras providências;

Lei no 5.775, de 30 de setembro de 1971 – Autoriza o Poder Executivo a instituir, sob forma de fundação, o Instituto Estadual do Patrimô- nio Histórico e Artístico (IEPHA/MG) e dá outras providências;

Lei no 6.501, de 5 de dezembro de 1974 – Dá nova redação ao art. 6 o da Lei no 5.775, de 30 de

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setembro de 1971;

Lei no 8.502, de 19 de dezembro de 1983 –

Institui o Conselho Estadual de Cultura;

Lei no 8.828, de 5 de junho de 1985 – Altera dispositivos da Lei no 5.775, de 30 de setembro de 1971;

Decreto no 26.193, de 24 de setembro de 1986 – Aprova o Estatuto do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA/MG;

Resolução da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, de 3 de julho de 1991 – Institui o Espaço Político-Cultural da Assem- bléia Legislativa do Estado de Minas Gerais e dá outras providências;

Deliberação da Mesa da Assembléia Legis- lativa do Estado de Minas Gerais no 716, de 4 de dezembro de 1991 – Regulamenta a Utilização do Espaço Político-Cultural da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais;

Lei no 10.726, de 12 de maio de 1992 – Esta- belece os limites da área de conservação do Pico do Itabirito e dá outras providências;

Decreto no 33.825, de 5 de agosto de 1992 – Institui o prêmio anual “Grande Otelo”, de texto para teatro, e dá outras providências;

Deliberação da Mesa da Assembléia Legis- lativa do Estado de Minas Gerais no 846, de 11 de março de 1993 – Regulamenta a utilização do Espaço Político-Cultural da Assembléia Legis- lativa do Estado de Minas Gerais;

Lei no 11.258, de 28 de outubro de 1993 – Reorganiza o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA/ MG e dá outras providências;

Lei no 11.484, de 10 de junho de 1994 – Organiza o Conselho Estadual de Cultura e dá outras providências;

Lei no 11.714, de 26 de dezembro de 1994 – Dispõe sobre a reestruturação da Secretaria do Estado da Cultura de Minas Gerais e dá outras providências;

Lei no 11.726, de 30 de dezembro de 1994 – Dispõe sobre a Política Cultural do Estado de Minas Gerais; e

Lei no 11. 942, de 16 de outubro de 1995 – Assegura a entidades que menciona o direito à utilização do espaço físico das unidades de ensino estaduais e dá outras providências.

O Município de Belo Horizonte, por meio de sua Lei Orgânica, adota disciplina que guarda

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similaridade com a definida na Carta Estadual e dispõe, ainda, sobre a matéria em legislação específica, em que se destaca a Lei no 3.802, de 6 de julho de 1984.

Registra-se, também, o quadro de referên- cias legislativas na área de cultura do Municí- pio de Belo Horizonte:

Lei no 3.640, de 8 de novembro de 1983 – Institui incentivos fiscal e construtivo para a preservação de imóveis tombados, pelos órgãos de proteção do Patrimônio Histórico e Artístico;

Leino3.802,de6dejulhode1984–Organiza a Proteção do Patrimônio Cultural do Municí- pio de Belo Horizonte;

Decreto n o 5.531, de 17 de dezembro de 1986 – Regimento Interno do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte;

Decreto no 6.337, de 21 de setembro de 1989 – Dispõe sobre a composição de Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Municí- pio de Belo Horizonte; e

Decreto n o 6.441, de 21 de dezembro de 1989 – Aprova alterações no Regimento Interno do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte, a que se refere o Decreto no 5.531, de dezembro de 1986.

3.3. NOVA CORRELAÇÃO DE FORÇAS E PAPÉIS – DEFINIÇÃO DE MODERNO PARADIGMA DE GESTÃO DA CULTURA

É forçoso, entretanto, reconhecer que a legislação não preenche satisfatoriamente a moldura constitucional assinalada para o desenvolvimento de uma moderna política de cultura; antes, regulamenta institutos, sem delinear suficientemente o novo paradigma de gestão da cultura que se vislumbra, ressalva- das iniciativas louváveis de alguns Estados e Municípios.

Eis a razão pela qual a concepção de uma nova estratégia de gestão para o setor pressu- põe – a par de uma análise do comportamento das pessoas em face das normas existentes e da ação protetora do Estado, com vistas a ava- liar o nível de assimilação da disciplina jurídica da cultura pelo Estado e pela sociedade – a indicação de novas alternativas legislativas, menos como resultado do processo de ideação e mais como fruto de discussão levada a cabo entre os potenciais agentes da cultura: Estado

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– sociedade – cidadão – iniciativa privada. Esse cenário de redefinição de papéis, de relações e de responsabilidades, de consenso quanto à decadência do modelo centralizador, de alteração dos rumos do planejamento, com nítidos sinais de inversão da lógica e da dinâ- mica até entao prevalecentes, de perspectivas de horizontalidade na relação administração– administrado é, sem dúvida, marcado pelas per- plexidades da transição. Por isso mesmo, aque- les que se propõem a colaborar na concepção de uma política pública não podem perder de vista o cenário da circunstância, mas devem de- senvolver um sério esforço no sentido de viabilizar um novo modelo legislativo ou admi- nistrativo, compatível com a realidade de inú- meros núcleos públicos de interesses, modelo esse que incorpore mecanismos capazes de neutralizar as resistências à mudança e de asse- gurar eficiência e eficácia em sua gestão pela

adoção paulatina de práticas consensuais e conciliatórias.

Na área da cultura, em particular, devem ser identificados os vetores dos processos de pro- dução, divulgação e fruição e colocados sob foco especial de interesse. Nesse campo, regis- tra-se a potencial participação do Estado, da sociedade, do cidadão e da iniciativa privada. Há, portanto, uma nova correlação de forças e papéis, da qual não se pode abstrair.

3.3.1. PAPEL DO ESTADO

Com detença no papel do Estado, verifi- cam-se como suas competências: o estabeleci- mento do sistema normativo; o planejamento e a gestão da política pública de cultura, mediante instrumentos adequados de proteção preven- tiva e curativa de bens e valores culturais; o oferecimento de prestações positivas diversas; a garantia da efetividade dos direitos culturais, sociais, coletivos, ou difusos, principalmente por meio da ação do Ministério Público, como instituição de defesa da sociedade e, em espe- cial, do patrimônio cultural e o exercício do poder de polícia, por meio de limitações de variadas espécies.

O Estado, ao cumprir seu papel, há de obje- tivar ações que promovam o acesso do cidadão às fontes de produção da cultura, mediante apoio, incentivo e divulgação dos conhecimen- tos e das tecnologias, para o pleno desenvolvi- mento daquela; a participação dos cidadãos nos processo de criação, com possibilidade de ampla fruição dos benefícios da cultura; respostas

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atentas às imposições do interesse público mediante a aplicação do poder de polícia ou oportuna prestação jurisdicional, quando for o caso.

Não é demais ressaltar que o Estado demo- crático de direito, no exercício de sua missão, não pode excluir a participação da sociedade; ao revés, evoca o concurso dos cidadãos e dos núcleos intermediários, que devem encontrar abrigo nos processos de elaboração legislativa, de planejamento e de execução da política pública, assegurando-se-lhes a necessária cor- respondência em termos de legitimidade pro- cessual.

Vê-se, pois, que a latitude do papel do Estado não pode mais justificar a criação de uma cultura artificial, imposta à sociedade. Daí ser urgente repensar, sobretudo, o processo de formação da memória, com vistas a afastar o poder público da posição de responsável pelo enquadramento da mesma e colocá-lo como ele- mento suporte, capaz de despertar a percepção popular, de dar maior comunicabilidade às ques- tões do patrimônio, de criar cenários em que se possam desenvolver os processos de negocia- ção e seleção das memórias diversas, de modo que se dê lugar à emergência da identidade coletiva.

Para esse mister, devem concorrer, entre outros fatores, os seguintes: vontade política e envolvimento da sociedade; aprofundamento da discussão sobre valores e representações; adequada alocação de recursos humanos e financeiros; aplicação de métodos e conheci- mentos próprios para descoberta, conheci- mento, interpretação e divulgação das referên- cias, entre outras medidas.

3.3.2. PAPEL DO CIDADÃO

De outro lado, o cidadão há de ser visto como sujeito (agente) e como destinatário (con- sumidor). Na primeira condição, a ele se deve reservar espaço para interferência nos proces- sos de criação, ou seja, não se lhe pode negar o direito de produzir cultura; na segunda, como destinatário, é necessário que se lhe preserve o direito de acesso às fontes de cultura e se lhe dê estímulo à apropriação dos benefícios, mediante processo permanente de internalização de valo- res e assimilação da identidade cultural.

3.3.3.Papel da sociedade

A sociedade, principalmente por meio das

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Organizações não-Governamentais – ONGs, tem como papéis principais, na seara da cultura: a conscientização acerca dos valores específicos; a participação na política pública em todas as suas fases; a consolidação da pluralidade de ordenamentos jurídicos internos e a integração do segmento com o poder público. Essa partici- pação da comunidade faz-se em duas verten- tes: a da produção e a do consumo, com o que se constrói uma memória mais autêntica e dinâ- mica, definindo-se a identidade a partir das ten- dências e preferências concertadas.

O planejamento há de denotar, assim, preo- cupação do poder público em abrir espaços às manifestações patrocinadas pelas entidades; em democratizar o mercado, com vistas a abran- ger os consumidores potenciais; em intensifi- car a colaboração dos segmentos da sociedade civil e da iniciativa privada e em apoiar as enti- dades com capacidade institucional de alavan- cagem de recursos e de sua correta aplicação. Para isso, podem ser adotados mecanismos como: audiências públicas, cooperação técnica para a organização dos produtores e dos con- sumidores, integração de representantes da sociedade em conselhos de caráter deliberativo, apoio das ONGs e outros mecanismos e estra- tégias que possam garantir a definição de satis- fatório conjunto de instrumentos de gestão, informados pelos modernos vetores, que dire- cionam no sentido da cumplicidade – sem pro- miscuidade – entre as esferas pública e privada.

Sabe-se que em nações mais pobres e menos atentas às questões culturais, costuma-se atri- buir ao Estado o papel primordial, como que reconhecendo a inércia da sociedade para inte- grar o processo de formação de sua cultura e exercer a tutela sobre os bens do patrimônio, enquanto nos países avançados, destaca-se a ação da coletividade como o principal indica- dor de desenvolvimento cultural e de preserva- ção do patrimônio histórico e artístico. Na França, por exemplo, registra-se tendência à des- centralização da atividade de proteção aos monumentos e ao envolvimento das coletivi- dades locais nos empreendimentos estatais de conservação e salvaguarda dos monumentos e sítios artísticos, históricos, científicos, legen- dários e pitorescos, o que é estimulado pelos centros de estudos e pelos Conselhos; na antiga União Soviética, assegurava-se aos cidadãos o engajamento no processo de proteção, mediante a integração nos Conselhos e comitês executi- vos e a mobilização de sindicatos, organizações e associações; no sistema da “Metrópole”, onde

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podem ser detectadas as raízes do disciplina- mento de nossa cultura, invoca-se a ação con- junta do Estado, dos cidadãos e dos agentes culturais, e nos sistemas de proteção dos vizinhos países latino-americanos, inseridos em realidade sócio-econômica similar à nossa, destaca-se, por exemplo, a Argentina, em que há nítida preocupação com o processo de civi- lização, compreendendo o progresso material e o moral, campo em que as universidades exer- cem regularmente influência, por meio do estu- do da literatura, da história, do folclore e do desenvolvimento da cultura.

Entre nós, é de se ver com bons olhos o esforço mais recente de organização da socie- dade para efetivação dos valores culturais, embora seja forçoso advertir que, pelo caráter vital do meio ambiente, maiores avanços de organização civil estejam voltados para a alu- dida área, sem um espaço mais significativo no campo cultural.

3.3.4. PAPEL DA INICIATIVA PRIVADA

Por fim, é preciso, ainda, identificar o papel da iniciativa privada.

Em face das tendências dominantes de par- ceria entre os setores público e privado, com- preende-se que a eficácia de uma política de cultura se construa, também, sobre as bases da cooperação, para o que é fundamental a capaci- dade do poder público de descobrir os interlo- cutores e os parceiros potenciais adequados, os quais possam compartilhar as responsabili- dades, apontar alternativas para a área e viabi- lizá-las. As parcerias podem ser garantidas por meio de um conjunto articulado de medidas de planejamento e de execução, de mecanismos compensatórios, sejam fiscais, extrafiscais ou administrativos, que possam estimular investi- mentos privados.

3.4. MODELO DE DESENVOLVIMENTO

Considerando que a política de cultura envolve relações que tangenciam os níveis político e econômico, deve-se ter em conta a necessidade de trabalhar a interface da mesma com as questões do desenvolvimento e de sua ideologia. Para esse mister, o primeiro passo é a identificação do próprio modelo de desenvol- vimento, para, na seqüência, tentar-se situar sua interferência nos padrões culturais e, se possí- vel, nele intervir, com o propósito de mudança.

Nessa análise, percebe-se um modelo mar-

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cado por fortes resquícios de uma visão perifé- rica, oligárquica e excludente, sendo que a rup- tura dessa linha de sustentação do desenvolvi- mento pressupõe uma nova dialética nas rela- ções sociais, o abandono da postura elitista, que se move pela ideologia da dominação, para assimilar um novo traço, uma nova noção de progresso, principalmente nesse momento em que se verifica a crise da renovação industrial, da ruptura com a tradição, do primado da obso- lescência, da concepção utilitarista, do consu- mismo, do crítico e monopolizador processo de apropriação do espaço urbano e dos benefícios da civilização. Como respostas às disfunções da propriedade urbana, é de se salientar que o princípio da função social ganha praticidade na alavancagem de instrumentos urbanísticos capazes de mudar a fisionomia da cidade, e que podem ser aplicados conjugadamente com aqueles próprios da política de cultura.

Torna-se necessário, pois, um novo direcio- namento do desenvolvimento, o que, no plano da cultura, repercutirá na efetividade da liber- dade de crenças e convicções, e do respeito ao pluralismo ideológico. A liberdade e o plura- lismo garantem, por sua vez, o resgate da iden- tidade por meio de arranjo sucessivo e autên- tico da memória coletiva.

Especificamente no tocante à relação entre desenvolvimento e cultura, faz-se mister, tam- bém, que se quebre o binômio negativo preser- vação-estagnação, abandonando-se a con- cepção estético-monumental da proteção, para colocá-la a serviço da comunidade, mediante alternativas de interpretação, revitalização, renovação e reabilitação do patrimônio cultural.

4. ALTERNATIVAS METODOLÓGICAS PARA A ÁREA DA CULTURA

4.1. DEFINIÇÃO DO OBJETO DA POLÍTICA CULTURAL. DIAGNÓSTICO. UNIFORMIDADES.EXCEÇÕES QUALIFI- CADAS. AVALIAÇÃO COMPARTILHADA. ELEMENTO URBANO COMO REFERÊNCIA

Feita essa reflexão, busca-se prosseguir, ten- tando estabelecer, a partir das condicionantes registradas e da experiência recente do Estado de Minas Gerais, sem olvidar os princípios da diver- sidade sócio-cultural, da pluralidade de manifes- tações, da liberdade, da autonomia, da democra- cia e da descentralização, uma alternativa meto- dológica para definição do que deva ser objeto de atenção da política aludida, especialmente no campo da cultura de caráter não-monumental.

Inicialmente, cabe ao poder público elabo- rar o “diagnóstico” da cultura no Estado, incor- porando a ele, sem preconceitos, todas as manifestações culturais detectadas e respecti- vas ambiências. Essas manifestações são espacialmente localizadas nas possíveis regiões, traçadas segundo as delimitações pre- liminares, para efeito do planejamento e da exe- cução de políticas culturais do Estado. Tal diagnóstico deve ser levado a cabo mediante processo integrado, para que possa permitir uma visão global do ambiente cultural e das mani- festações que acolhe.

A análise, ainda que superficial, desse uni- verso permite a constatação de manifestações que são recorrentes em várias regiões ou até mesmo em todas elas: as uniformidades dentro da pluralidade cultural. Essas uniformidades constituem-se em objeto natural de políticas culturais por parte do poder público.

Tratadas as “uniformidades culturais”, remanescem, ainda, as “exceções qualificadas” em um campo mais complexo de atuação do poder público. Correspondem àquelas manifes- tações que, embora possam escapar ao gosto e à preferência das comunidades locais, se reves- tem de qualidades, de traços inovadores, que as qualificam e especializam, cabendo ao Estado detectá-las. É interessante promover-se a dis- cussão dessas situações no âmbito das regiões, como forma de sua assimilação, organizando-se eventos que possibilitem a divulgação das manifestações e a livre expressão de opinião por parte dos consumidores e dos agentes cultu- rais locais. De outro lado, essas “exceções quali- ficadas” devem ser atraídas para os grandes cen- tros, para divulgação e estímulo à criação.

As ações acima alinhavadas, relativas às uniformidades e às exceções, podem ser colo- cadas, portanto, num caminho único, que o poder público e a comunidade trilham, lado a lado, na tentativa de apoio aos talentos e valo- res internos, que poderão ganhar o reconheci- mento em esferas mais abrangentes da crítica.

Há de se ressaltar, ainda, que um dos pro- blemas mais instigantes na elaboração das polí- ticas e na seleção e priorização de seus clientes diretos ou indiretos é a definição da qualidade da manifestação. O Estado não pode correr o risco de se arvorar em definidor por excelência da qualidade. Essa avaliação deve ser compar- tilhada com a comunidade local, em diferentes instâncias: conselhos municipais de cultura, fóruns microrregionais, pólos culturais, concur-

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sos regionais ou estaduais, promoções em par- ceria com entidades não-governamentais de cunho cultural e com a iniciativa privada. Essa “qualificação compartilhada” passará pelo crivo do mercado. Neste, provavelmente, muitas áreas serão aceitas e passarão a ter vida própria, entrando na luta cotidiana pela manutenção e renovação de sua vitalidade, enfim, pela sua conseqüente permanência.

Na definição do objeto da política pública de cultura urbana, são de vital importância, tam- bém, a percepção do elemento urbano e seu adequado tratamento enquanto referência para construção da memória, devendo ser tratadas as alternativas de identificação, delimitação, proteção e revitalização de marcos, referências e espaços da cidade. Nesse sentido, pesquisas para melhor compreensão do “imaginário” das comunidades são fundamentais, apoiando, pois, o processo de delimitação do campo de incidência das ações como um todo, na pers- pectiva de resgatar ambiências, consolidar os pólos de atividades culturais e não apenas pre- servar exemplares e conjuntos arquitetônicos de valor histórico e cultural.

4.2. MECANISMOS DE INSTRUMENTALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE CULTURA E DIRETRIZES DE PLANEJAMENTO

Alinhavadas essas considerações sobre a metodologia de delimitação do objeto da política aludida, torna-se necessário delinear os mecanismos disponíveis para a viabilização de ações do poder público no campo da cultura. Nesse sentido, verifica-se que a Constituição Federal, no art. 216, § 1o, já indica caminhos alternativos para a promoção e a proteção do patrimônio cultural brasileiro, em colaboração com a comunidade. Consagra, em rol exemplifi- cativo, instrumentos como inventário, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, dei- xando ao poder público flexibilidade quanto a outras formas de acautelamento e preservação.

Conhecidos os instrumentos, a grande difi- culdade reside na escolha daquele cujo regime deva ter aplicação no caso concreto. Alguns mecanismos visam à cultura como um todo, outros dirigem-se a extratos desse campo, en- quanto alguns institutos têm caráter extraordi- nário, seja em razão da grande afetação que impõem aos bens, seja em razão da incompati- bilidade da relação custo-benefício, considerada sua aplicação e a restrita apropriação do resul- tado pela sociedade, seja, ainda, em virtude da

ameaça de sua ineficácia. Torna-se, pois, crucial responder à indagação referente ao instrumento a ser adotado em face das especificidades do objeto e das circunstâncias em que ele se insere. Em outras palavras, escolher o instrumento ou o regime de intervenção mais adequado ao caso concreto.

Superadas as fases de pesquisa, de estu- dos, de sensibilização e discussões prelimina- res, etapas preparatórias, busca-se desenvol- ver o planejamento propriamente dito, em linha democrática, para que nele possa haver a con- vergência de todos os esforços dos diferentes agentes potenciais. Atenção especial deve ser dada à integração da política específica com as correlatas, atrelando-se medidas legislativas, de execução e de controle, se possível, em sistema incremental, para aperfeiçoamento e adaptação permanentes. Imprescindível, ainda, a adequa- ção das ações propostas ao âmbito de compe- tência do ente responsável.

4.3. COMPETÊNCIA DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL E FRAGILIDADE DA POSIÇÃO DO MUNICÍPIO

Importa situar, ainda que ligeiramente, a competência especificamente referida à cultura e aquela atinente às questões do urbanismo pela relação estreita das duas temáticas.

A Constituição de 1988 insere a com- petência legislativa da União, dos Esta- dos e do Distrito Federal em matéria de proteção ao patrimônio histórico, cultu- ral, artístico, paisagístico e de direito urbanístico no âmbito da legislação con- corrente (art. 24, I e VII). Complementa o comando com as regras dos parágrafos:

“§ 1 o – No âmbito da legislação con- corrente, a competência da União limitar- se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2o – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3o – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para aten- der a suas peculiaridades.

§ 4 o – A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário”.

O Professor Raul Machado Horta assinala, em síntese magistral, a importância e o acerto

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da construção da “repartição concorrente”, do “quarto plano da repartição de competência”, ocupado pela “competência de legislação con- corrente da União, dos Estados e Municípios”:

“A legislação concorrente, que am- plia a competência legislativa dos Esta- dos, retirando-a da indigência em que a deixou a pletórica legislação federal no domínio dos poderes enumerados, se incumbirá do aperfeiçoamento da legis- lação estadual às peculiaridades locais, de forma a superar a uniformização simé- trica da legislação federal”.

Contudo, importa assinalar que a repartição concorrente, assentada na primazia da União, estabelece um condomínio de poderes dos entes políticos – com exclusão do Município -, em que todos ficam, virtualmente, à mercê da União.

As matérias incluídas na repartição concor- rente têm, pois, a primazia do interesse da União. Assim, a relativa à cultura, pela relevância da identidade nacional; assim, a relativa ao direito urbanístico, pela sua interferência na economia.

Especificamente no tocante à matéria urba- nística, a opção constitucional de inseri-la no âmbito da legislação concorrente reflete a per- cepção da mudança do eixo de interesses no plano econômico. A economia agrária, sofrendo o impacto do crescimento das cidades, impul- sionado pelo processo de industrialização, perde parte das atenções da União, que se divi- dem com o ambiente urbano, transformado em principal locus de riqueza. Isto parece estar latente na regra de competência que relativiza o poder dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal na seara urbanística.

Não contemplado no âmbito da legislação concorrente, resta ao Município, no campo da cultura e do direito urbanístico, tão-só, a com- petência para suplementar, no que couber, a legislação federal e a estadual (art. 30, II). Socorrem-no, ainda, as regras do art. 30, I, VIII e IX, que definem, respectivamente, competên- cia para legislar sobre assuntos de interesse local e competência executiva para promover o adequado ordenamento territorial, mediante pla- nejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo, e a proteção do patri- mônio histórico-cultural local, neste caso, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual, isto é, o exercício da compe- tência executiva ou legislativa suplementar do Município pressupõe a existência de normas estaduais ou federais. Prevêem-se, ainda, como competência executiva, agora em espaço comum

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à União, aos Estados e Municípios, as medidas do art. 23, III, IV, V, do que se deduz em favor desses entes políticos a competência legisla- tiva de caráter instrumental.

Como se percebe, o nebuloso arranjo de competências legislativas relacionadas com a cultura e o direito urbanístico, na prática, deixa o poder concentrado na União, já que ao Estado só é permitido legislar de forma completa em situação de inércia do legislador federal e ao município não cabe espaço nesse condomínio de poderes, competindo-lhe legislar em caráter suplementar, no que couber, ou sob a proteção da regra do interesse local ou como decorrên- cia da necessidade de instrumentalização de sua ação executiva.

Essa nebulosidade do texto constitucional desonera a União da obrigação de legislar sobre a matéria, já que sua omissão pode ser suprida pelo Estado, não obstante este não se veja estimulado a desenvolver uma disciplina legal de caráter virtualmente provisório. É que fica o legislador estadual, em caso de suprir a ausên- cia de normas federais, sujeito a ver derrogada a legislação por incompatibilidade com lei fede- ral superveniente, pelo que lhe resta como campo mais seguro e valioso o de suplementa- ção de normas gerais da União, para atendi- mento às peculiaridades regionais.

Preciosa, sob todos os aspectos, a lição do Professor Raul Machado Horta é um alerta, um alento e um desafio:

“A nova repartição de competências representa uma tentativa para superar o federalismo hegemônico que se implan- tou na Constituição Federal de 1946 e alcançou o seu apogeu na Constituição Federal de 1967 e suas emendas. Se a superação do federalismo hegemônico ocorrer, como é legítimo esperar que ocor- ra no funcionamento normativo da Cons- tituição, a repartição de competências implantará o federalismo de equilíbrio, convertendo em realidade a concepção federal que a Constituição normativa modelou. A desejada convergência do normativo e do real, para assegurar a per- manência estável da concepção constitu- cional, dependerá da comum obediência pela Federação e pelos Estados ao princí- pio da fidelidade federal, a bundestreue, ao qual a doutrina alemã confere relevo de princípio central na ordem constitu- cional federal”.

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Assim, do ponto de vista do exercício das competências, o caminho há de ser o da busca do equilíbrio e da desejada convergência pro- pugnada pelo mestre.

4.4. ESFORÇO CONSTRUTIVO DE NOVAS SOLUÇÕES

É, todavia, no âmbito do Estado e do Muni- cípio que se tem verificado grande esforço de adoção de alternativas mais eficazes em relação à produção cultural, à formação da identidade, à preservação do patrimônio e à fruição dos benefícios, seja pela via da política legislativa, seja pelo caminho da conscientização e da mobilização dos cidadãos e do planejamento de ações cooperativas.

Exemplificativamente, apresentam-se alter- nativas: a) no plano legislativo – edição de leis específicas para a política pública de cultura; aperfeiçoamento da legislação sobre matéria urbanística; disciplinamento de transferência de potencial construtivo; criação de varas especia- lizadas para o tratamento das questões relacio- nadas com interesses difusos; definição de estímulos fiscais; criação de royalties para com- pensação aos municípios de caráter histórico; b) no plano executivo – realização de inven- tários; desenvolvimento de projetos de memó- ria oral; elaboração de documentários; organi- zação de museus-escola; criação de oficinas de cultura; realização de concursos para projetos de revitalização; organização de agendas inter- municipais compartilhadas; criação de pólos culturais; promoção de fóruns técnicos; insti- tuição de conselhos municipais de preserva- ção do patrimônio histórico e cultural; desen- volvimento de novas técnicas de interpretação do patrimônio; elaboração de roteiros de cará- ter turístico e cultural; identificação de marcos urbanos de referência; utilização de convênios de cooperação urbanística para recuperação e revitalização de espaços para atividades cultu- rais; viabilização de cooperação com a área aca- dêmica; manutenção de cursos de especializa- ção; introdução da cultura como disciplina de programas escolares; tratamento específico em plano-diretor; iniciativas compartilhadas em nível microrregional; criação de áreas de pre- servação; delimitação de áreas envoltórias de bens tombados, entre outras soluções.

Nesse sentido, a política de preservação do patrimônio, antes sustentada, basicamente, pelo tombamento, vem agregando novos mecanis- mos. Há um certo consenso quanto à insufi- ciência desse tradicional instituto e a indicação clara no sentido de que seja ele suprido por meio de adaptação do sistema de sanções, pela modernização da interpretação dos preceitos legais atinentes e, principalmente, pela adoção de outros meios de tutela, incluídos os de direito urbanístico, pelos quais será possível intensifi- car o móvel de proteção cultural.

Por fim, é importante reiterar que as pers- pectivas da política de cultura sinalizam para uma nova concepção, que, paulatinamente, vem se consolidando num cenário mais aberto, mediante integração de múltiplos atores: Estado, cidadão, sociedade e iniciativa privada.

O grande desafio é buscar-se a exata medida da participação de cada um desses figurantes nesse espaço nitidamente público, mas nem sempre estatal.

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