Poesias

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Sou a Pedra redonda
Zoiúda
Que vigia sem parar os arredores.


Sou o Pico do Itambé
Encoberto de nuvens
Que se esgarçam ao primeiro sol.


Sou a Serra do Cipó
De sinuosas curvas
Perdidas entre nós
Cegos e
Vendados mistérios


Sou a Lapa da Boa Vista
Que soluça lágrima seca
Em tardes mornas de sol.


Sou o condado virgem
No recato de seus medos.


Sou o Quatro vinténs
Que corre para o Lucas
Em curso lento e choroso.


Sou o Morro Centenário
Que deita a cabeça no colo de Deus
Pedindo um cafuné
Na rara cabeleira.


Sou os veeiros depauperados
De outras riquezas encobertas.


Sou a Fonte do Vigário
Gotejando esquecida
Pelos cantos do Chaveco


Sou o coreto em destroços
Sufocando a sinfonia da vida.


Sou o palco do mundo
À espera da melhor peça.


Sou as ruas de Baixo e de Cima
E os becos sem saída.


Sou a Ladeira do Pelourinho
Batizada pelo grito escravo
Que retumba na senzala do tempo.


Sou o Paredão da Matriz
Na contenção da encosta
Da fé primeira.


Sou a palmeira gigante e altiva
Que ameaça o céu
Sem fazer requebros
Quase inerte sobre raízes profundas.


Sou o casario de linhagem nobre
Contrariando a lei da gravidade.


Sou o cargueirinho alienado
Que desce a rua
Atravessa a festa
O discurso
E estruma no chão
Em pose para a posteridade.


Sou a Capela de São Miguel
Que badala a morte
Ao dar sinal de vida.


Sou o prédio da Cadeia
E o pensamento livre
Que escapole inteiro
Ou em fragmentos
Pelas grades
E vai sem peia.


Sou Igreja Santa Rita
Em esplêndida janela
Espiando da colina
A cidade baixa
Ressuscitar das brumas.


Sou a gente
Que pede licença
Para pisar este chão
Para respirar estes ares
Para poetar sob este céu.


De onde vim
Só pra ser uma flor exótica
Entre rochas e colinas
Da minha terra.

Alto
Chamas
Cenas
De
Luz
Arauto
Do alto
Acenas
Chamas
Rasgando essas trevas
Espalhando o sopro
Por tua criação

Emergente
Emerge
Entre
De mim
Emergente
Menos ente
Mais gente
Emerge

Fulgente
‘’ Full’’...
Da Mortalha de um tempo
Do assombro do vazio
Nova face
Nova mulher
Na aventura do recomeço
Mias gente
Só.

De
Vagar
Cansado
Passo a passo
Lenta
Mente...
Com
Passadas
Toadas
Do Caminhar...

Eu
Ca
Li
Pito
Cheira
Bom
Quase
Bálsamo
De mim.

Sensual
Sem
Idade
Sensualidade
Não
Caduca.

Serro
Com Frio
De alma acalorada
Com Sol
E de sombra remansosa
Serro
Com chuva
E de sombra remansosa
Serro
Com chuva
E de ribeiros secos
Serro
Sem erro
Concerto de Minas
Velho Serro
Sem idade
Que teus serros
Vigiarão por nós
Serro
Com teus morros calvos
Sem tua farta cabeleira
De fala eloqüente
E memória silenciosa
Sem o tumulto do progresso

Reflexões sobre a Proteção ao Patrimônio Cultural, com ênfase no Instituto do Tombamento

I Congresso de Direito  Administrativo – Serro-MG

Data: 27 de outubro de 2017.

Palestrante: Maria Coeli Simões Pires ( UFMG)

Senhor Presidente desta Mesa, Guilherme Simões Neves, Prefeito Municipal, que cumprimento pelos profundos laços de irmandade.

 

Reflexões sobre a Proteção ao Patrimônio Cultural, com ênfase no Instituto do Tombamento. [1]

 

Senhoras e Senhores,

 

Permitam-se, em fala preambular à minha palestra, fazer alguns registros.

I – Começo trazendo calorosos aplausos às instituições parceiras na promoção deste evento – A Ordem dos Advogados do Brasil -Seção Minas Gerais, por meio da Comissão de Direito Administrativo, presidida pela Professora doutora Cristiana Fortini,  e da OAB/Serro, e a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais / PUCMinas/ Campus Serro. Saibam que a inciativa representa um marco relevante em Serro e na Região, mais precisamente no grande território da antiga Comarca do Serro Frio, honrando sua vocação jurídica.

II -Tributo minha gratidão aos organizadores do Congresso por este verdadeiro presente ao Serro e, especialmente, pelo convite a mim dirigido para proferir palestra sobre o tema da Proteção do Patrimônio Cultural neste conclave, chamamento ao qual aquiesci com muita honra e júbilo. Faço, então o agradecimento por meio da Professora Doutora Aline Nahas, que tem emprestado a sua energia, sua inteligência e saber a este projeto coletivo do Campus Serro, que se tem revelado como centro de excelência de Ensino, Pesquisa e Extensão, capaz de pautar e sondar o mundo do conhecimento e da experiência jurídica a partir da geografia do Espinhaço.

III-Sigo com uma palavra intimista. Nativa destas terras, sou explícita e, às vezes, eloquente no sentimento de pertencimento e de amor ao Serro. Diria, com Carlos Drummond de Andrade, “Sofro e perduro no tempo o amor”. Mas nos palcos desta terra, sabem todos, sou quase sempre silêncio. Aqui, hoje, sou palavra. Neste palco do meu antigo Colégio Nossa Senhora da Conceição, como que a me reabrir as cortinas do mundo, guardadas em compartimentos da memória adolescente; neste endereço institucional – PUCMinas, emblema que selou a minha formação jurídica e que me lançou aos caminhos da epistemologia do Direito e à luta pelos direitos; nesta Pátria Serro, da minha identidade e Simbiose.

Como Maria Coeli Simões Pires, posso afirmar que construí um currículo responsável: acadêmico, institucional, profissional. Preparei-me para as missões de servir.

Como Maria Coeli, costumo dizer que não tenho currículo, mas sou autofagia do Serro. Sou mesmo Simbiose.

“ Sou a Pedra Redonda. / Zoiúda, /que vigia sem parar o arrebol.

Sou o Pico do Itambé, / encoberto de nuvens, / que se esgarçam ao primeiro sol.

Sou o Quatro Vinténs, /de Jacinta ou reféns, / que vai pro Lucas em curvas: /tempo e curso tresandados; / que chora lágrimas turvas de sentimentos misturados”.

Pois bem, aqui estou compartilhando espaço e oração com estimados colegas do Direito e também do Esquerdo: Professores, Pesquisadores, Advogados, Procuradores, Delegados, Defensores Públicos, Membros do Ministério Público e Magistrados, notáveis referências nas lides jurídicas e nas elevadas instâncias do Município do Estado e da República. Compartilho especialmente com os diletos amigos e conterrâneos ilustres, Desembargador Armando Freire, inteligência e recato do DNA de Geraldo de Azevedo Freire e Dona Iaiá, caráter moldado à régua e compasso para as arbitragens das partidas da vida, nas quais se lançou desde os gramados da Rua São José, passando pelas grandes lances do Spartak que a juventude embalou no campo do rapador. Lembro o Desembargador Márcio Idalmo Santos Miranda, que comporia a programação de hoje, ele que é meu querido ex-aluno, de inteligência brilhante e que, meio bandeirante, soube construir seu caminho tão cativo das lições que o universo colocou em sua vida. Devo fazer , também, um registro para Cristiano Tolentino Pires, para lembrar a todos que Vaninha, em espírito, aplaude, de pé, o seu filho que cresceu. E eu me perderia em considerações muito sinceras sobre tantos que compõem a programação.

Neste evento, compartilho também reflexões com uma audiência especial: alunos de Direito, eles que sempre ensinam; com representantes institucionais; com agentes públicos, políticos como os Chefes de Executivos e Secretários, Parlamentares, ou administrativos; com  o público do setor empresarial; com representantes da sociedade civil organizada; com os cidadãos inscritos, enfim com todos os congressistas que ilustram este auditório. Peço desculpas por frustrar as expectativas daqueles que aqui vieram ouvir a Professora de Direito Administrativo.

Lembro a intrigante estrofe de Fernando Pessoa, em seu poema “Autopsicografia”: O poeta é um fingidor. / Finge tão completamente/ que chega a fingir que é dor/ a dor que deveras sente”. Aqui não sou poeta. Deveras sinto.

Espero que façam como o Poeta: Fingir que em mim encontraram a lição esperada!

Por tudo, digo-lhes que, para min, este Congresso de Direito Administrativo  não é apenas mais um evento de debates jurídicos, de pretensões científicas ou de sensibilização para a pragmática, a que estou acostumada!

Pois bem, aqui, sou, então, palavra; mas, sobretudo, emoção!

Obrigada, por agora compor a discursividade deste auditório!

Passo a abordar a estrutura lógico-temática do Congresso, para localização do tema que me cabe. Ao que pude perceber, a programação foi construída em duas grandes linhas, nas quais os temas de colocam em complementaridade.

Na primeira linha, colocam-se dois núcleos: o da processualidade administrativa e o da conduta do administrador ou dos que lidam com a Administração. Para o núcleo da processualidade, evocam-se os valores republicanos e a ampla juridicidade. Para o núcleo da conduta do administrador, evocam-se os valores da probidade e a observância dos princípios que informam sobretudo a relação de administração, sempre vinculada ao interesse público. Tal linha está expressa na programação na temática de licitação, a exemplificar a processualidade; e na temática da improbidade administrativa, a dar consequência e tutela ao mote da conduta. Pautada sobretudo em comemoração aos vinte anos de edição do marco legal que mudou a perspectiva da Administração pública no Brasil. Muito há que se comemorar! Há de se registrar que o uso temerário do instrumento para fins de perseguição política em mãos de desafetos, tão recorrente na política pequena, não desqualifica o mecanismo como meio tutelar dos princípios da administração, até mesmo em razão dos mecanismos disponíveis para fazer face a isso. Já dizia Paulo Neves de Carvalho, em pregação que veio a ganhar entronização entre as proclamações da Constituição do Estado: “ O povo tem direito a governo honesto”. Não há de ser a espada de dâmaco sobre o administrador fiel ao seu mister de servir. Não pode ser o pesadelo imobilizador, a desestimular as vocações públicas, mas o norte da boa gestão submissa ao direito e ao interesse público.

A segunda linha é marcada por dois motes complementares, natureza e cultura, evocando, respectivamente, sustentabilidade ambiental e identidade cultural, cada qual, à sua vez, a demandar tutela jurídica própria. Tal linha está expressa nas temáticas Proteção ao Meio Ambiente e Proteção ao Patrimônio Cultural. Adverte-se, contudo para a aproximação dessas duas referências, que não podem ser tomadas como antinomias. Falamos de vida e de identidade. Falamos de água que não chega à torneira; das nascentes que não nascem mais; falamos de desastres ambientais como o da SAMARCO, de um lado; falamos de patrimônio cultural- identidade de comunidades, da Nação, da Humanidade, de outro.

Discorrerei sobre este último tema, sob o título “Reflexões sobre a Proteção ao Patrimônio Cultural, com ênfase no Instituto do Tombamento”.

O tema nos remete aos direitos culturais.

A Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, a “certidão de batismo” do direito internacional dos direitos humanos, já contemplava os direitos culturais, ao proclamar que “1) Toda pessoa tem o direito de participar da vida cultural da comunidade, de desfrutar das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios”.

Lembrando que a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, de 1948, documento regional que antecedeu aquele documento universal, antecipou a formulação dos direitos culturais.

A despeito de tal proclamação, só recentemente se tem tratado a cultura na perspectiva de direitos humanos, assim mesmo com ênfase em minorias. E, de fato, os direitos culturais devem ser tratados como direitos humanos, na chamada segunda geração de direitos, juntamente com os econômicos e sociais. Direitos à criação cultural, ao acesso à cultura e à fruição de seus bens, com garantia da pluralidade e diversidade.

Adverte-se, contudo, para a simultaneidade de atendimento das gerações de direito, que não devem ser entendidas segundo uma hierarquia cronológica, mas apenas como lógica de efetividade. É dizer: os direitos de primeira geração demandam atuação negativa do estado; os direitos de segunda geração, atuação positiva do Estado. Eles se projetam, também, na terceira geração de direitos, dos chamados direitos/interesses difusos.

Na ordem jurídica brasileira, essa construção da cultura na perspectiva de direitos humanos se fortalece, seja por força das fontes supranacionais, tratados e convenções internacionais, aprovados, ratificadas e promulgados, das normas internas, constitucionais, cada vez mais avançadas, e infraconstitucionais condizentes; e ainda, por força de políticas públicas mais inclusivas e participativas.

A Constituição da República de 1988, prevê, no art. 216, a norma básica da proteção ao patrimônio cultural, assentando um conteúdo abrangente dessa categoria jurídica, a saber: “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens culturais de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, neles incluindo as mais diversas manifestações.

Certo é que, na nova ordem constitucional, o Brasil ultrapassou o patamar das concepções etnográficas de cultura do início do Século XX, do patrimônio de pedra e cal, da monumentalidade, densificando o seu conteúdo e abrangência, pela lógica do pluralismo e da diversidade, com reflexos no patrimônio cultural. Não se cuida mais de se prestigiar uma cultura como dimensão hegemônica da identidade, mas de se reconhecer que existem muitas culturas, todas com importância e centralidade.

Inês Virgínia Prado Soares e Sandra Cureau lembram um aforisma sucessivamente difundido por Rabelais, Montaigne e Pascal: “ O universo é uma esfera cujo centro está em toda parte, e a circunferência em parte alguma”. Aplicado à cultura o aforisma lembra a pluralidade, a importância e a centralidade de cada cultura e a impossibilidade de um traçado hegemônico dessa pluralidade.

Isso muda a concepção de cultura: “ Nem privilégio, nem favor: a cultura é um direito”. Não é expressão de dominação, mas laço de identidade.  Não é luxo!  É simbologia de pertencimento.

Em linha de avanço, a Constituição Federal, rompendo com a hegemonia do Estado, e assimilando o paradigma democrático, prevê que a proteção é dever do Estado com a colaboração da Sociedade, por meio dos instrumentos que menciona.

 

A cultura, resultante da atuação e do engenho humano, materializa-se em uma dimensão tangível de objetos móveis ou de imóveis, ou se projeta em uma dimensão imaterial, não tangível, como práticas, saberes, modos de vida, e que assim consubstanciam bens materiais e imateriais, no sentido da preciosidade que guardam.

Esses bens culturais são elos que fazem a conexão das pessoas entre si com valores comuns de sua identidade, capazes de propulsar o pertencimento, o sentimento de nação, de comunidade, de grupo, de cidadania. Devem, ao mesmo tempo, permitir o empoderamento cultural inclusivo. A paisagem urbana da Escadaria de Santa Rita, da Capela e da colina, com a visada da Praça João Pinheiro e do casario colonial, transporta os serranos para o seu território de identidade.

Falando deste lugar, Serro- cidade tombada pioneiramente pelo SPHAN, em 1938, a célula mater do antigo Tejuco, hoje Diamantina, declarada, pela União das Nações Unidas para a Educação e a Cultura- UNESCO-, patrimônio da Humanidade, socorrem-nos alguns referentes capazes de fazer ponte para nos conectar a esses valores:

E basta um olhar pela cidade: as torres nos levam aos píncaros da fé; o queijo servido na mesa serrana, cuja técnica de fabricação artesanal foi reconhecida como patrimônio imaterial da cultura nacional e do Estado, nos sintoniza com os  modos de vida rural, com as  sabenças dos currais, com as hierarquias no ambiente das fazendas; o casario nos remete aos tempos coloniais e às contradições da história serrana; a festa do Rosário, ao sentimento negro, escravo ou alforriado; os quilombos, tombados diretamente pela Constituição da República, aos nossos laços afrodescendentes; as muralhas de pedra  da Matrizconectam-nos com a dor profunda do esforço escravo que as ergueu; Diamantina, ao sentimento do mundo.

Como esses, muitos outros referentes se apresentam como importantes elementos da identidade coletiva, e, portanto, como bens culturais.

Os bens culturais podem receber proteção ou tutela por meio de uma pluralidade de institutos jurídicos e urbanísticos, como registro, inventário, zonas de proteção, tombamento, entre outros. No rol dos instrumentos jurídicos ou de mecanismos urbanísticos, ganha relevo o tombamento.

O tombamento é um instituto de proteção do patrimônio cultural materia, de origem portuguesa, inicialmente traduzido como inscrição de determinados bens em livros específicos, tendo sido assim denominado em seu berço em honra ao patrimônio linguístico, pela associação à Torre do Tombo, de Lisboa, na qual se guardavam os livros das leis, de escrituras públicas e outros papéis autênticos do reino.

Reconhecido em ordens jurídicas estrangeiras com denominações diferentes, por exemplo, como Classificação (França e Espanha) ou Notificação (Itália), no Brasil, o instituto se incorporou à ordem jurídica como Tombamento, desde o Decreto-Lei 25, de 1937, editado por Vargas no bojo do Estado Novo. Não obstante tenha sido o marco legal editado pela ditadura, refletia influência da intelectualidade modernista e de discussões no âmbito internacional que alimentaram a construção do projeto de lei que lhe deu origem.

A aplicação do instituto, contudo, esteve vinculada à pretensão de sustentação do Estado-nação, a partir de uma ordem hegemônica, autoritária, enfatizando-se os referentes do período colonial e as representações dos valores capitalistas.

Emblemático desse período de seu surgimento, recorda-se o episódio da cena pública de queima das bandeiras dos estado-membros na solenidade comemorativa do dia da Bandeira, no Rio de Janeiro, em 1937, direito a foto para a posteridade e a discurso de forte peroração. Tudo por um Estado-Nação!

Por outro lado, o referido instituto de intervenção em bens culturais, móveis e imóveis, na sua prática, foi tensionado pelo direito de propriedade e por outras questões decorrentes, especialmente dessa problemática principal.

Superando diversas polêmicas, o tombamento se consolidou como instrumento de proteção, de modo que, nas comemorações dos 80 anos do IPHAN, celebram-se, também, 80 anos da prática do tombamento. Cabe uma reflexão sobre o legado da instituição, ou mesmo sobre o que pejorativamente pode ser referido como fardo. Legado ou fardo? Sim! Legado! O Serro como conjunto arquitetônico relativamente conservado é um presente!

Pois bem, aqui, não discutiremos natureza do tombamento, as fases do processo para a sua efetivação, os efeitos de sua incidência, seus desdobramentos em relação ao proprietário e à vizinhança. Não distinguiremos tombamento individual e tombamento de conjunto; seu controle administrativo e judicial por meio dos diversos instrumentos. Podemos dizer que essa matriz de tópicos é matéria para lousa da sala de aula, que, de algum modo, encontram-se pacificadas, notadamente em face da na Constituição de 1988. Anoto que, a par de sempre publicar artigos sobre o tema, com o propósito de colaborar para o debate, estou fazendo a atualização do meu livro sobre o tema, enfrentado quase que solitariamente nos idos de 190, para obtenção do título de Mestre. A revisão foi postergada, por razões de indisponibilidade absoluta de tempo para os projetos pessoais.

O instituto, contudo, deve ser revisitado, para uma leitura à luz do Estado Democrático de Direito e da nova Constituição, assim como deve ser potencializado pelo  diálogo com marcos legais correlatos, como o estatuto da Cidade.

 

Chamamos a atenção para aspectos importantes da ordem constitucional vigente. Nela, ganha tônus a função social que (re)significa a relação do proprietário com o bem que constitua patrimônio cultural.

Prevista no art. 5º, XXIII da Constituição Federal, em comando direto “ a propriedade atenderá a sua função social”, ganha melhores contornos no capítulo Da Política Urbana, especialmente pelo conteúdo do artigo inaugural do capítulo, que prevê: “Art. 182 A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por  objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

 

Anotamos alguns princípios e diretrizes de Proteção ao Patrimônio Cultural, especialmente a partir da releitura do instituto feita sob a condução de Edésio Fernandes:

 

Não podemos deixar de acrescentar e enfatizar a sustentabilidade. E, nesse particular, lembro que o programa Monumenta, inclusive implementado em Serro , trabalhou com essa concepção e foi bem aceito.

Deve-se estar atento às normas supranacionais constantes da Convenções e Tratados. Igualmente importante, dominar os conteúdos das Cartas Patrimoniais. Embora não se revistam de caráter normativo, são referências filosóficas e teóricas, apresentando contribuições especializadas sobre conservação, restauração, paisagens culturais, jardins históricos, arqueologia, entre tantos outros temas.

Quero, sobretudo, lançar os desafios relacionados com a temática.

Como uma cidade tombada, como o Serro, pode continuar viva para a ponte intergeracional de passado, presente e futuro? Como pode ser repositório do passado, sem deixar de ser o espaço de uma nova história no presente, projetando-se ao mesmo tempo para o futuro, desafiado por tantas inovações e complexidades?

Como as instituições de proteção podem estabelecer uma discursividade democrática com as comunidades, sem arrogância, mas sem abrir mão da autoridade e da legitimidade para a articulação de uma política colaborativa e sustentável de proteção?

Como garantir uma lógica permanente de educação patrimonial de modo que a conservação do patrimônio não redunde em asfixia para a população, mas em um sentimento de identidade e alento para o devir?

Como garantir a migração da perspectiva da valorização do patrimônio cultural em si para tomá-lo como fator essencial da elevação espiritual das comunidades que o detêm? A política do Museu Casa dos Otoni é um exemplo de sucesso nessa inversão.

Como estabelecer a complementaridade de ações de proteção ao patrimônio tangível e ao patrimônio imaterial?

Como enfim assegurar o acesso ao patrimônio cultural e sua fruição como direito humano fundamental, sem incorrer na sua vulneração?

Perguntas! Perguntas!

Os lugares e os referentes da memória catalisam vivências e evocam lembranças, mas, também, desafiam a força do presente! O legado do passado traz chaves de revelação da verdade, para que sobre ela possamos refletir e até fazer rupturas, sem negá-las, e construir alternativas para o presente e para o futuro. Por isso, o Patrimônio Cultural é linguagem eloquente da identidade de um povo, referente de uma história que não termina nele, mas segue em frente…

Que saibamos ter a sabedoria da Temperança, de que fala François Öst, reconhecendo o ciclo do tempo: passado, presente e futuro! Na grande ponte intergeracional.

[1] Palestra proferida por Maria Coeli Simões Pires (UFMG)  no I Congresso de Direito  Administrativo – Serro-MG, em 27 de outubro de 2017. Promovido pela OAB-MG e PUC Minas – Campus Serro.

 

Idealizado por Rafael Angeli
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